O Povo, Brazil
Virginia Tech: Sign of Our Wounded Civilization
"This is a phenomenon more and more present in
post-industrial society, and it's an unequivocal sign of the imbalance and
severe illness that affects our hedonistic civilization."
EDITORIAL
Translated By Brandi
Miller
April 18, 2007
O Povo
- Brazil - Originial Article (Portuguese)
The world
is shocked by the latest tragedy that has shaken the United States university
scene: the massacre of 32 people at Virginia Tech University. We now know that
the deranged murderer was a 23-year-old South Korean who was a student at that institution,
and who finished by committing suicide.
Since
Charles Whitman climbed a tower on the campus of the
University of Texas in Austin on August 1, 1966 and opened fire killing 15 people
and injuring 31, there have been nine similar tragedies in school environments
that range from elementary to university. These facts leave no doubt that
something very severe is happening in the mental health of American society
(but not only there, as episodes of this kind have also happened in other
developed countries).
The explanations
are numerous, but there is a strong consensus as to how much influence
economic, social and cultural structures may have on these types of events.
Despite being a rich society, the United States encompasses lamentable social
contradictions. The society matured under very deeply-rooted conditions of
individualism, calling for the creation of one’s own destiny, even though
paradoxically, it has developed an equally widespread idea of concern for
others. One expression of this is the culture of giving back, in which the most
well-off are called to offer compensation for what society has given them. Thus,
it is common for businessmen to make substantial donations to the schools and
universities that were responsible for their education.
On the
other hand, it is a highly repressive society with the largest prison
population in the world. Its model of societal development is based on a vision
of free enterprise that produced a very aggressive competitiveness engendering values
that Max Weber classified as “the Protestant ethic .”
From this perspective, individual prosperity is seen as a clear signal of
divine favor. It's very different than the ethics of renunciation and indifference
to the physical body preached by Catholicism. It could be summarized as: “every
man for himself and God for all.”
Within the
context of a society that tends to depersonalize as the process of production
becomes ever more efficient, questions relating to social assistance and the creation
of institutions to help those less adapted to this environment of extreme
competitiveness have always been looked on with some reservation. Part of this
culture is that the self-made man is worshipped, while those unable to achieve success
in their personal lives are regarded as "failures."
As this
way of viewing the world has gained prevalence, it has created unbearable
pressure on individuals battling within the limited arena for material success,
power and prestige. Because of this, human and transcendental values have
become less and less influential. Success is looked upon as the primordial goal
toward which all others must be subordinated.
In this
context, consideration for others gives way to a fight for the imperative of
competitiveness. There is little space left for compassion or paying
attention to those who have had bad luck or are unable to obtain success within
the context of these extremely horizontal values. The final result is the
dehumanization and the suffocation of being, which is produced by this
extreme form of individualism.
Without a
source of internal strength, without an anchor that can keep them on the ground
and in good condition - like beings trapped in a
trans-historical wormhole and deemed expendable by others - people end
up losing any reference to their humanity. Once in a while they explode in
a destructive and murderous fury, going against everything and everyone, randomly
identifying them as the executioners of their misfortune. This is a phenomenon more
and more present in post-industrial society, and it's an unequivocal sign of
the imbalance and severe illness that affects our hedonistic civilization.
Portuguese Version Below
Civilização ferida
EDITORIAL
18/04/2007
01:32
Desprovidas da fonte alimentadora de sua interioridade, desligadas da âncora que
as poderia manter ligadas ao solo de sua condição originária,
como seres ancorados numa dimensão trans-histórica e vocacionalmente votados ao outro, as pessoas
terminam perdendo qualquer referencial de humanidade e, de vez em quando, explodem
em fúria destrutiva e assassina
O mundo está chocado
com a nova tragédia que se abateu sobre o meio universitário americano, traduzida no massacre
de 32 pessoas na
Universidade Virginia Tech. Sabe-se
agora que o assassino tresloucado era um sul-coreano de
23 anos, estudante da instituição, que acabou se suicidando.
Desde
que Charles Whitman subiu em uma torre
do campus da Universidade
do Texas, em Austin, no dia
1º. de agosto de 1966, e abriu
fogo, matando 15 pessoas e ferindo 31, já se somam nove
tragédias de teor semelhante em ambientes
escolares que vão do maternal à universidade. Tais indicativos não deixam dúvidas de que algo muito
grave está ocorrendo na saúde
mental da sociedade americana (e não só, pois episódios
deste tipo têm-se repetido em outros países
desenvolvidos).
As hipóteses são variadas, mas há
um maior consenso quanto à influência
das estruturas econômicas, sociais e culturais nesse tipo de resultado. Apesar de ser uma
sociedade rica, os EUA têm contradições
sociais lamentáveis.
A sociedade ergueu-se sob condicionamentos individualistas muito arraigados, no que tange à
construção do próprio destino, embora, paradoxalmente, tenha desenvolvido um sentido gregário igualmente difundido. Uma das suas expressões
é a cultura do retorno que os mais
abonados devem dar em compensação
ao que receberem
do conjunto da sociedade. Assim, é comum empresários
fazerem doações substantivas às escolas e universidades responsáveis por sua formação.
Por outro lado, é uma sociedade
altamente repressiva, detentora da maior
população carcerária do mundo. Seu modelo
de desenvolvimento baseou-se
numa visão empreendedorista que, levada à exacerbação,
produziu uma competitividade muito agressiva, baseada em valores que
Max Weber classificou como ''ética protestante´´. Esta vê na prosperidade individual um sinal distintivo de predileção divina. Bem diferente da ética da renúncia
e desapego dos bens materiais
pregada pelo catolicismo. Poderia ser assim resumida: ''cada um por si,
e Deus por todos.´´
Num contexto de impessoalização cada vez maior
dos processos de produção,
as questões relativas à assistência social e à formação de suportes
institucionais de solidariedade
para com os menos adaptados a esse ambiente
de extrema competitividade,
sempre foram vistas com reservas. Faz parte
dessa cultura a exaltação do self-made-man, considerando-se ''fracassados´´ os que não
conseguem expressar nas suas vidas
individuais os valores decorrentes dessa visão de mundo.
Ora,
a prevalência cada vez maior do ter
sobre o ser gera
uma pressão insuportável nos indivíduos que disputam o limitado espaço do sucesso material, do poder e do prestígio. Por conta disso, os valores humanos e transcendentes são cada vez mais
relativizados e esvaziados.
O sucesso coloca-se como a meta primordial à qual todas
as outras devem subordinar-se.
Nesse
contexto, a consideração ao outro cede lutar
ao imperativo da competitividade. Aí, resta pouco
espaço para compaixão, para a atenção à sorte
dos que não conseguem ser bem sucedidos na
encarnação desses valores extremamente horizontalizados. O resultado
final é a desumanização, o sufocamento
do ser produzido pelo individualismo extremado.
Desprovidas da fonte alimentadora de sua interioridade, desligadas da âncora que
as poderia manter ligadas ao solo de sua condição originária
- como seres
ancorados numa dimensão trans-histórica e votados vocacionalmente ao outro - as pessoas
terminam perdendo qualquer referencial de humanidade. De vez em quando, explodem
em fúria destrutiva e assassina, voltando-se contra tudo e contra todos, por identificá-los
aleatoriamente como
carrascos de seu infortúnio. Esse é um fenômeno cada vez
mais presente na sociedade
pós-industrial e é um sinal
inequívoco da grave doença que afeta
esta civilização hedonista.