Editorial: Outro Obama
Há sete anos, agências de segurança e de espionagem dos EUA estão, em
tese, autorizadas a saber para quem cidadãos
americanos telefonam. Há seis anos,
o governo também tem vasculhado a vida virtual até de estrangeiros não residentes --correio eletrônico, conversas na rede,
videoconferências, arquivos,
conexões a computadores.
Foi o que se soube na semana
que passou, graças a um alto funcionário do governo americano que vazou documentos
reveladores da ampla rede de bisbilhotice
para os jornais
"Washington Post", americano, e
"Guardian", britânico.
Não só a invasão indiscriminada da privacidade era secreta, mas também
as ordens e estatutos legais que, em
princípio, a regulariam, assim como o sistema
de supervisão que controlaria abusos.
Esse arcabouço de espionagem é tanto mais impressionante num país de cidadãos ciosos de sua liberdade
individual e de governos sempre
prontos a condenar e até punir nações
que violam direitos humanos e leis internacionais.
Surpreendido e agastado
com o vazamento, o presidente
democrata Barack Obama argumentou
que o sistema constitucional de equilíbrio
entre Poderes e de controle
do Executivo não foi violado. O mandatário diz que o Estado sabe o que é melhor para
os cidadãos, mesmo que eles
não tenham sido informados dessa benevolência.
Por muito que os americanos
--traumatizados pelo 11 de Setembro-- apoiem medidas restritivas de direitos, em nome
da segurança nacional ameaçada na guerra contra o terrorismo, a revelação de seu alcance cria
dificuldades políticas para Obama.
Como
o sistema é secreto, torna-se impossível controlar suas exorbitâncias e o abuso das informações coletadas. Só na semana
passada foi instalada uma agência
independente de supervisão
das atividades de inteligência.
Obama
elegeu-se com um programa que condenava as arbitrariedades e ilegalidades
das ações antiterroristas
do governo do republicano
George W. Bush. Congratulou-se por
ter "legalizado",
entre 2006 e 2007, assassinatos de suspeitos, prisões e detenções no exterior e espionagem
de comunicações de cidadãos.
Segundo
o sistema Obama de descaso
com direitos, agentes do
Estado, agindo sob "alto segredo",
podem interpretar leis à vontade e invadir sem motivo as comunicações
de pessoas inocentes, além de não prestar
contas de suas decisões. Nada que surpreenda muito, para um presidente que até hoje
não cumpriu a promessa de fechar a odiosa prisão de Guantánamo.