A diplomacia da provocação

 

16 de Dezembro de 2009

 

O chanceler Celso Amorim deixou para o assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, e o secretário-geral do Itamaraty, Antônio Patriota, a missão de se reunir com o secretário-assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidental dos EUA, Arturo Valenzuela, que começou por Brasília a sua primeira visita oficial à região. Partindo da premissa de que um diplomata de sua importância deve falar com seus iguais - e daí para cima -, Amorim de ter imaginado que, se ele próprio se sentasse à mesa com a principal autoridade do Departamento de Estado para as Américas, estaria dando uma demonstração pública de apequenamento do Brasil diante dos EUA. Como se a estatura de uma nação na cena internacional tivesse algo a ganhar com miudezas dessa ordem. Diplomata habilidoso, Valenzuela não se deu por achado. Após duas horas com o assessor Garcia, declarou que "foi uma conversa ótima. Temos diferenças que são normais". A resposta de seu interlocutor foi igualmente amável e conciliadora.

 

Puerilidades pontuam a política do governo Lula em relação ao país que mais conta no mundo. poucas semanas, Brasília cometeu a impropriedade de divulgar uma mensagem reservada de Obama a Lula, que entrou no fax do Planalto, não por acaso, na véspera da visita do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Vista da perspectiva de Washington, a carta era uma deferência ao Brasil. Para piorar as coisas, o assessor Garcia se permitiu dizer que a conduta do presidente americano deixava um "sabor de decepção". Ironicamente, quando o titular da Casa Branca se chamava George W. Bush, a atitude brasileira diante dos EUA era muito mais amena. O "cara", como diria o seu sucessor, se dava melhor com o texano ronceiro. Lula, como se sabe, tem horror a líderes cerebrais e uma compulsão para se mostrar superior a eles. Essa circunstância um sabor de provocação à diplomacia lulista no que diga respeito aos americanos.

 

Não bastasse a megalomania que a orienta, o presidente parece convencido de que a projeção do País no mundo será tanto maior quanto mais a política externa brasileira se caracterizar pelo contencioso com os EUA, para além das divergências normais no relacionamento bilateral. Essa tolice é insuflada por um antiamericanismo reminiscente dos anos Geisel, sob a ditadura militar. Confundindo diplomacia assertiva com a busca de pretextos para criar marola, o Itamaraty muito raramente se esforça para minimizar ostensivamente os atritos com Washington. Enquanto isso, enfatizando a política de diálogo de Obama, o seu enviado para a América Latina investiu na distensão. "Apenas temos diferentes avaliações sobre alguns tipos de assuntos", disse Valenzuela a jornalistas brasileiros antes de embarcar. O primeiro desses assuntos é a política nuclear do Irã.

 

Mais do que a própria acolhida a Ahmadinejad, o que calou nos EUA foi o endosso de Lula ao inquietante projeto iraniano. Teerã, declarou, "tem o direito de desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos" - isso depois de tudo que o país fez para ocultar dos inspetores internacionais as suas atividades no setor, das sanções que lhe foram impostas pelo Conselho de Segurança da ONU e da sua recusa de enviar urânio ao exterior de onde o receberia de volta enriquecido o suficiente apenas para aplicações civis. Lula imagina que o Brasil poderia mediar entre o Irã e os EUA. É a mesma soberba que o leva a falar em promover a paz entre israelenses e palestinos, esquecido de que nenhuma iniciativa do Itamaraty de resolver desavenças mesmo entre os vizinhos deu algum resultado - nem entre a Argentina e o Uruguai, na questão das papeleiras, nem entre a Venezuela e a Colômbia, por causa do acordo militar colombiano-americano.

 

O Brasil, subordinando-se indiretamente a Hugo Chávez, respalda a Unasul, que não passa de uma pífia tentativa de criar um foro regional sem a presença dos EUA. No caso da crise hondurenha, o realismo de Washington, ao reconhecer que as eleições presidenciais zeraram o problema da deposição do presidente Manuel Zelaya, deixou patente a futilidade do alinhamento brasileiro com o dono do chapelão que três meses adorna a embaixada em Tegucigalpa. A fixação antiamericana do Itamaraty é um chavismo de segunda.