Bin Laden e nós: Celebramos a morte de alguém como se fosse um título de futebol

 

Filipe Luís

 

5 de Mai de 2011

 

A 18 de abril de 1943, caças norte-americanos intercetaram e abateram o avião onde seguia o almirante japonês Isoruku Yamamoto, em visita às bases nipónicas das ilhas Salomão. Ele era uma espécie de inimigo público n.º 1 dos EUA, depois de ter planeado e coordenado a operação de ataque a Pearl Harbour, a 7 de dezembro de 1941. Graças à "inteligência" aliada, que intercetara e decifrara uma mensagem ultrassecreta da Marinha japonesa, foi possível eliminar o cérebro do "Dia da Infâmia". E nenhuma consideração de ordem moral condenaria esta operação, friamente urdida, para eliminar, fisicamente, este homem. As duas partes estavam em guerra e Yamamoto morreu em combate.

 

Mal comparado, o 11 de Setembro de 2001, com o ataque às Torres Gémeas, foi, para os americanos, um segundo dia da infâmia. No mesmo dia, o então Presidente dos EUA, George W. Bush, declarou: "Estamos em guerra." Lato senso, o Yamamoto do século XXI, Usama bin Laden, era o comandante de um dos exércitos beligerantes e, se quisermos tranquilizar a consciência, perante o frio plano para o matar - em vez de o levar a julgamento... - poderemos dizer que morreu em combate.

 

Este é, pelo menos, o argumento que encontro para justificar algum alívio, que não deixo de sentir, pelo fim deste homem, que representava tudo o que mais devemos temer: a barbárie, o fundamentalismo, a intolerância, a crueldade, o fanatismo, a regressão civilizacional, a paranoia guerreira. Sabemos perfeitamente que, no dia em que a Al Qaeda dispusesse de uma bomba nuclear suja, ele a mandaria detonar em qualquer das nossas cidades. Na América, no Reino Unido, em Espanha... em Portugal. O seu projeto de reconstituir o Grande Gharb, com a recuperação e reislamização da Península Ibérica, só tem paralelo no processo mental e bélico de Hitler, quando varreu a Polónia, e quis varrer a URSS, rumo à Crimeia.

 

Mas não deixo de sentir um certo "final de boca amargo" quando oiço vozes civilizadas, de homens eleitos pelos portugueses - país que, como lembrou Mário Soares, foi pioneiro na abolição da pena de morte... - congratularem-se pela execução de um homem. Nenhuma morte deve ser motivo de festejos. Mas não é só isso que está em causa. Se uma força portuguesa, por hipótese académica, encurralasse e detivesse Usama no nosso território, cumpriríamos a nossa lei? Recusaríamos a sua extradição para países onde se aplica a pena de morte ou a prisão perpétua? Entregá-lo-íamos aos Estados Unidos? Vejam quem disse o quê: "O desaparecimento [bom eufemismo...] de Bin Laden é um estímulo moral", Luís Amado. "Uma vitória e um rude golpe no terrorismo", Augusto Santos Silva. "Felicitações aos EUA", Ribeiro e Castro (presidente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros). "Um grande feito!", Durão Barroso. O que têm estes políticos em comum? São todos portugueses, todos contra a pena de morte, e todos se mostram felizes por Bin Laden ter sido abatido como um cão.

 

Teve o que merecia, dirá o leitor. Posso até concordar. Mas não sei como chegou o mundo a este século XXI, onde sociedades ocidentais, democráticas, humanistas e herdeiras dos valores do Cristianismo celebram até altas horas a morte de um homem. Como se celebrassem um título de futebol. Às vezes, seria melhor não exibirmos o nosso contentamento.