Das duas uma

 

20 de Dezembro, 2010

 

Por António Pedro Vansconcelos

 

AInterneté uma revolução soft, mas que vai ter nas nossas vidas o efeito que teve a revolução industrial no século XIX.

 

Esta semana, milhões de jovens no mundo inteiro desencadearam um ciber-ataque contra as empresas que se haviam recusado a suportar a acção da WikiLeaks . É fácil de imaginar que muitos destes jovens sejam também frequentadores do Facebook, a rede social criada por Mark Zuckerberg, um aluno de Harvard que, aos 23 anos, numa noite de Outono, em 2003, com três colegas, lançou uma rede social para os alunos da Universidade que, seis anos depois, se iria tornar o maior fenómeno da Internet, com 500 milhões de amigos, e que faria dele o mais jovem milionário da História.

 

David Fincher, um curioso realizador de thrillers como Se7en ou Zodíaco, e de um filme de culto audacioso e brilhante, Fight Club, decidiu recriar a história de Zuckerberg, assinando um filme desenvolto, que teria dado uma bela história shakespeariana de solidão e timidez, que vira ganância e traição, se Fincher fosse Orson Welles ou Nicholas Ray.

 

Ocriador do WikiLeaks é Julian Assange, que fornece a cinco jornais de prestígio mundial documentos confidenciais ou mesmo secretos, onde se revelam práticas consideradas criminosas e atentatórias das liberdades e dos direitos dos cidadãos, da parte de governos do mundo inteiro. Um e outro são , para muitos, os dois heróis deste começo do século XXI.

 

Se o Facebook se destina a fazer amigos, o WikiLeaks parece vocacionado para fazer inimigos. O que têm em comum é que ambos são iniciativas de jovens cibernautas que revolucionaram o nosso modo de nos relacionar e de nos informar. Nós, que deixámos de ter tempo para beber um café com um amigo, fazemos todos os dias novos amigos no mundo inteiro. O WikiLeaks, por sua vez, é uma nova forma de jornalismo, que pretende escrutinar a acção dos governos. Sem regulação nem controlo, a iniciativa de Assange vem baralhar por completo os dados com que até hoje viveram as nossas democracias e pôr a nu as suas fragilidades.

 

A Internet é uma revolução soft, mas que vai ter nas nossas vidas o efeito que teve a revolução industrial no século XIX: o de uma mutação radical do modelo que a sociedade ocidental construiu a partir do fim da última Guerra. As democracias deixaram de poder dar resposta aos novos problemas criados pelo efeito conjugado da globalização e da emergência do imaterial. Estamos perante novas liberdades e novos crimes, para os quais não legislação nem polícia, nem legitimidade social ou política para tentar combater ou sequer controlar.

 

A verdade nua e crua é que os Estados deixaram de nos dar segurança, de nos garantir a paz, a liberdade e a justiça. O admirável mundo novo está novamente. Ninguém se atreva a pensar o que vai ser, mas desiludam-se os que pensam que é possível uma transição lenta e pacífica de um mundo para o outro. Como nos ensinou Marx, a História é uma sucessão de partos dolorosos e as civilizações fazem-se, invariavelmente, sobre os escombros das anteriores.

 

apvasconcelos@gmail.com