Missão Marte:
a nova corrida espacial e a
colonização do planeta vermelho
Crise econômica e privatização da Nasa podem atrasar por décadas o primeiro passo para a exploração da última fronteira
O recrudescimento da crise econômica global tem deixado em segundo plano os resultados das mais recentes missões espaciais em andamento no sistema solar. A importância e o impacto destas missões tocam, no entanto, em questões centrais tanto do ponto de vista da consolidação das potências hegemônicas atuais e futuras, como também sob a ótica das descobertas científicas que podem mudar completamente o nosso entendimento sobre a origem e desenvolvimento da vida em nosso planeta.
A colonização humana em outros planetas já foi um tema levado muito mais a sério algumas décadas atrás, quando as viagens à Lua saíram do campo da ficção científica para uma realidade quase banal. À época, no entanto, a ausência de atrativos econômicos e científicos em nosso satélite reduziu progressivamente as missões lunares até a sua paralisação nos anos noventa.
O anúncio da existência de vida em Marte parece ser uma questão de tempo, e terá um efeito bombástico para uma nova era de missões espaciais, agora apoiada em altíssima tecnologia, o que fará parecer amadores os pioneiros astronautas do século XX.
Os principais centros de pesquisas admitem abertamente esta hipótese, apesar de descartarem enfaticamente a possibilidade de ter se desenvolvido formas de vida inteligente e civilizações no planeta vermelho – uma polêmica alimentada por ufologistas com base nas centenas de imagens disponíveis da superfície de Marte.
Controvérsias à parte, já existe consenso, graças a informações obtidas por radares de satélites que orbitam o nosso vizinho planeta, a respeito da existência de água, ainda que muito provavelmente apenas no subsolo ou congelada em suas calotas polares. Além disso, a presença constatada de metano na atmosfera marciana aponta para a possibilidade de vida orgânica – a principal fonte emissora deste gás na Terra.
Para além do interesse científico e da curiosidade humana em entender, por meio de estudos detalhados da história geológica e natural de Marte, a origem da própria vida na Terra, o que mais poderia justificar uma missão tripulada ao planeta vermelho? Um projeto colonizatório continua oficialmente afastado dos objetivos centrais das principais agências espaciais, a europeia (ESA) e a norte-americana (Nasa).
Contudo, um importante lobby se desenvolveu nos EUA para tentar retomar as missões tripuladas e a “conquista do espaço”. A National Space Society e a Mars Society, por exemplo, são organizações não-governamentais, compostas por cientistas experientes com projetos revolucionários e, em tese, factíveis visando a implementação de colônias em Marte a partir de 2030.
O argumento dos lobistas marcianos apela fundamentalmente para duas justificativas para o empreendimento, a primeira, de natureza simbólica: a necessidade de confirmação da supremacia tecnológica norte-americana. A nova corrida espacial é uma realidade, e reflete a tendência de multipolaridade na geopolítica do planeta (Terra, ainda): Rússia, China e Índia têm feito importantes investimentos em seus programas espaciais e planejam enviar artefatos não-tripulados a Marte em breve. Porém, revistas especializadas consideram que EUA e Europa estão pelo menos 50 anos à frente destas novas potências emergentes.
Além do impacto simbólico da conquista pioneira do planeta vermelho existem impactos econômicos consideráveis de missões tripuladas a Marte que podem ser ainda mais convincentes com os congressistas em Washington: de um lado, o estímulo comprovado em legiões de jovens que voltarão a se interessar pelo estudo das ciências, tal como aconteceu nos início da Guerra Fria, resultando, anos depois, na revolução informática liderada pelos EUA; e, de outro lado, a possibilidade de se apoderar de importantes reservas de minérios, como ferro, níquel, chumbo, prata e cobre, presentes no solo marciano, e ter acesso a fontes de água, que tende a tornar-se escassa na Terra.
Há também evidente interesse científico neste tipo de missão, mas impossível de ser quantificado em termos econômicos, como o fato de se descobrir que não estamos sós no Universo, reforçando uma hipótese, hoje controversa, a respeito do surgimento da vida de maneira concomitante em vários mundos diferentes; ou ainda a possibilidade de que o passado climático marciano, antes semelhante ao da Terra, dê pistas sobre a evolução do aquecimento em nosso planeta.
Sérios obstáculos têm, contudo, adiado o projeto de missões tripuladas em Marte. O primeiro deles, é o programa de privatização da Nasa implementado pela gestão do presidente Obama. A pressão por redução de custos e a terceirização junto ao setor privado de parte dos investimentos no programa espacial frustra a expectativa de se cumprir o objetivo anunciado no início da década de 90 da retomada de missões tripuladas para além da órbita terrestre.
Diante da reestruturação, a NASA passou a priorizar projetos de exploração espacial com robôs, ainda que não menos sofisticados. A última destas máquinas inteligentes controladas à distância pela Terra, o Curiosity, pousou na base do monte Sharp, em Marte, no início de agosto. O frisson causado nas redes sociais, onde o robô tem o seu próprio perfil e divulga periodicamente novas imagens em alta resolução do incrível relevo marciano, supera as expectativas e dá a dimensão da enorme legitimidade dos investimentos em pesquisa espacial junto à população. Se a propaganda é de fato a alma do negócio, podemos considerar, sem exageros, que este está sendo um primeiro passo no gigante salto em direção a uma nova revolução científica da humanidade: a colonização de outros planetas.
Pedro Chadarevian é doutor em Economia pela Universidade de Paris, professor de Economia na Universidade Federal de São Carlos e editor do blog Outra Economia. Escreve quinzenalmente ao Opera Mundi.