Encontro regional em Cartagena consolidou isolamento dos EUA, dizem especialistas
Posição dos EUA, que contaram com o apoio do Canadá, impediu a assinatura de uma declaração final
A 6ª Cúpula das Américas chegou ao fim neste domingo (15/04) em Cartagena, na Colômbia, sem uma declaração final por falta de consenso sobre a ausência de Cuba. Para especialistas em Relações Internacionais ouvidos por Opera Mundi, a posição adotada pelos países latino-americanos mostra a força da região frente a um isolamento cada vez mais evidente dos Estados Unidos.
“Essa conferência inverte um comportamento tradicional do início do século XX, quando os EUA comandavam como um maestro a pauta da América Latina. Isso mudou. Os EUA não comandam mais [a região]”, afirmou William da Silva Gonçalves, professor de Relações Internacionais da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Para o professor, apesar
de o cenário estar cada vez mais
claro, os norte-americanos têm dificuldade em assimilar as novas relações que desempenham com os países, principalmente
os da América
do Sul. “Evidentemente, eles [EUA] têm certa
dificuldade para assimilar
[esse cenário], principalmente
no que diz respeito às relações com
o Brasil, que agora devem ser baseadas na igualdade”, completou.
A análise de Gonçalves é evidenciada
também a partir dos últimos discursos da presidente Dilma Rousseff sobre o novo relacionamento
entre Brasil e EUA. Na última semana, durante visita a Washington, Dilma
afirmou que as relações
entre os dois países deveriam
ser baseadas na igualdade, sem que um ou outro fosse prejudicado por medidas de protecionismo cambial.
Já na Cúpula, a presidente ressaltou que os líderes americanos
devem trabalhar “na integração de nossos países e nossas economias”.
Exclusão cubana
Apesar disso, os norte-americanos não abrem mão de sua política de exclusão de Cuba. O país caribenho foi o único das Américas
que não foi sequer convidado a participar da Cúpula em Cartagena. A imposição dos EUA recebeu o apoio apenas do Canadá, mas foi o suficiente para impedir que os líderes presentes na reunião assinassem a declaração final na qual defendiam a participação dos cubanos na próxima Cúpula, no Panamá.
“Essa questão é histórica. Desde o início das Cúpulas,
em 1994, Cuba não podia participar porque o sistema político do país não seria uma
‘democracia’. Já aconteceram vários desses fóruns e cada vez mais países
latino-americanos fazem pressão para que os cubanos sejam incluídos nos encontros. Nessa edição, essa pressão
se tornou um fato concreto e certamente será a ultima cúpula sem
o país”, analisou Luis
Fernando Ayerbe, coordenador
do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP.
“Sem a presença de países como Equador, Argentina e Brasil, por exemplo, a cúpula se esvazia e os EUA perdem muito com isso, já que o encontro é um importante instrumento político para os norte-americanos”, completou Ayerbe. Gonçalves segue a mesma linha do coordenador do Instituto e aponta para a queda do “poder” dos EUA na América Latina.
“Os EUA continuam sendo uma grande potência
mundial e por muito tempo continuarão a ser.
No entanto, já não conseguem comandar
a América Latina, com exceção do México, que está vinculado aos EUA pelos
acordos do NAFTA (Tratado
Norte-Americano de Livre Comércio).
Todos os demais agem de uma maneira
compacta. É claro que há diferenças entre alguns líderes, mas isso é natural. Não se aceita mais o comando dos EUA e há uma
consciência de que os países
latino-americanos formam um bloco, que tem interesses comuns”, explicou.
Diante da ausência confirmada de Cuba, alguns líderes nem chegaram a embarcar para a Colômbia. Foi o caso de Rafael Correa, presidente do Equador, que dias antes da cúpula confirmou sua ausência devido ao veto feito aos
cubanos. Na véspera do encontro, foi a vez de Hugo Chávez, da Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, anunciarem que não poderiam comparecer
ao encontro, sem deixar claro
o motivo.
Nesta segunda-feira (16), um grupo de intelectuais
de diversas nacionalidades emitiu um comunicado
em que apóiam
a atitude de Correa frente ao veto cubano. “A decisão (...) de não participar da Cúpula das Américas,
mantendo a prática unilateral de exclusão de Cuba, é
um ato de dignidade e consequência que partilhamos e celebramos ao mesmo tempo em que convocamos outros presidentes a manifestar uma congruência do mesmo nível”, destacou o comunicado dos intelectuais.
No domingo, horas antes do fim da cúpula, a presidente da Argentina, Cristina Kircher, decidiu ir embora
de Cartagena por falta de consenso sobre as Ilhas Malvinas.
Pouco depois, a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da América) declarou que não mais participará de cúpulas da região caso Cuba continue suspensa.
“A presidente do Brasil, os líderes do Caribe e outros da América do Sul, e não apenas da Alba, já disseram: não haverá
uma nova Cúpula sem Cuba. Estamos num processo de desintegração por causa de um governo: os EUA”, acusou Evo
Morales, presidente da Bolívia,
membro da Alba.
No encontro que teve com Obama em
Washington na semana passada,
Dilma também defendeu o fim do embargo aos cubanos. Para Gonçalves, o papel brasileiro na questão é fundamental. “O Brasil é um líder
[na região]. Um líder que
exprime esse sentido comum,
que tem o maior parque industrial
e uma diplomacia de impacto mundial”, declarou o professor.
Papel colombiano
Após a cúpula, em declaração
à imprensa local, o presidente
da Colômbia, Juan Manuel Santos, minimizou
o fato do encontro não ter gerado uma declaração final. Apesar de destacar os acordos assinados durante as reuniões de líderes, Santos também se posicionou ao lado dos latino-americanos ao destacar
que não haverá outra reunião sem a presença
cubana.
A atitude adotada pelo presidente da Colômbia, o principal parceiro político dos EUA na região nos últimos anos, foi um dos principais destaques da cúpula, segundo Gonçalves. Para o
professor, os colombianos perceberam que uma integração com os países latino-americanos é mais vantajosa do que acordos com os norte-americanos.
“Historicamente está provado que um alinhamento com os EUA não proporciona
desenvolvimento para os países
da região. O empresariado colombiano pressionou o presidente para que o governo adotasse novas posturas em relação aos
vizinhos, como a
Venezuela”, disse.
Ayerbe completa dizendo que a posição do colombiano é motivada por seu
interesse em se destacar como líder
regional. “A Colômbia se fortaleceu nos últimos anos, cresceu economicamente,
e seu presidente precisou mudar suas posturas, contornar as ideologias”, explicou.
Para Gonçalves, a
integração sul-americana pode proporcionar um desenvolvimento ainda maior dos países da região. A postura, que isola cada vez mais os norte-americanos do restante da América, já pode
ser conferida na prática nos últimos dois dias em Cartagena.