Obama e Castro além da filosofia

 

Cuba tem mão de obra com bom nível de educação e saúde que, certamente, no atual estágio de internacionalização do capital, interessa a setores dos

 

ANDRÉ LAINO

 

28/12/13

 

Desde a queda do muro de Berlim e do 11 de setembro, o mundo mudou mais do que conservadores poderiam imaginar. Pois, se o comunismo incorporou lições, o capitalismo também saiu dos eixos. A frase de Clinton — de que os EUA têm de conviver com o fato de não serem mais o que foramdiz isso.

 

Assim, na cerimônia dos funerais de Mandela, aquele aperto de mãos entre Obama e Raúl Castro foi mais do que um mero cumprimento formal. O cerimonial dos EUA poderia ter, simplesmente, afastado Obama da proximidade de Raúl Castro. Sempre foram exímios nisso. Por que não o fariam agora?

 

A evidência de que algo mais no ar foi a imediata reação de setores conservadores nos EUA. Republicanos, principalmente do centro-oeste e dos confins da fronteira no Alasca, berço do Tea Party. Tal reação fez emergir as diferenças internas nos EUA, entre as costas Leste e Oeste e o centro do país. Neste último estão suas fronteiras internas. Nelas se alimenta, ainda em nossos dias, a polarização entre conservadores e liberais. Nas fronteiras está o reduto das crenças nasimplicidade” e “refúgio de valores”, enquanto opostas e em permanente conflito, com a “devassidão” e “permissividade” das urbanidades. Seja de Nova York ao leste, ou Los Angeles e São Francisco a oeste. Podemos conjecturar que, de taisreservas moraisdessas fronteiras internas, emergiu um paradoxal sentimento de raiva e júbilo, diante dos atentados de 11 de setembro.

 

E é destas mesmas áreasreservasmorais” e de mão de obra do próprio capital — que proveio a maior parte das resistências ao comprimento de Obama a Raúl Castro.

 

A luta interna de Obama e a provável vitória do Obamacare, estendendo o atendimento à saúde a uma parcela significativa da população, são marcos no esgotamento desse reduto hard do modelo neoliberal. Embora, obviamente, ele esteja mais atuante do que nunca. E, de certa forma, essa aproximação que se desenha no horizonte entre Obama e Raúl Castro é, paradoxalmente, parte de tal modelo.

 

Cuba tem uma mão de obra com um bom nível de educação e saúde que, certamente, no atual estágio de internacionalização do capital, interessa a setores capitalistas dos EUA. Menospuristasque seus irmãos do interior! Por outro lado, a chegada de capitais com aportes tecnológicos interessa ao governo cubano. Também pelos mesmos motivos: colocação de postos de trabalho para essa juventude, impaciente e com boa formação. Estes jovens têm, portanto, estruturas cognitivas capazes de absorver, nos mais distintos processos de trabalho, os avanços científicos e tecnológicos imprimidos em diversos processos de produção. E muitos destes estão em setores de cadeias produtivas situadas nas costas Leste e Oeste, predominantemente redutos eleitorais dos Democratas. Para tais capitalistas, o comunismo de Cuba — como o da China — não atrapalha em nada.

 

Tais capitais, quando se trata de aumentar seu próprio valor, têm uma clareza e objetividade que vãs filósofos e moralistas não conseguem entender.

 

Talvez por isso, numa recente declaração, Raúl Castro disse que qualquer aproximação é possível, desde que sejam respeitadas as especificidades e características de cada um.

 

Aliás, antes de terminarmos, seria interessante lembrarmos que, em termos de formação e expansão de fronteiras, o Brasil está muito mais próximo dos EUA do que da Europa. Nosso interior igualmente se comoreserva de moral” e, também, olha para as grandes metrópoles comoantros de devassidão”. E também, aqui como , nossos conservadores buscam o interior para se oxigenarem das poluições — das ideias, dos conflitos! — urbanas. E, como nos EUA, voam a Paris para tomarbanhos de civilização”. Mas, é claro, semelhanças não são identidades.