Espionagem dos EUA se espalhou pela América Latina
Depois do Brasil, Colômbia foi o país mais vigiado
Venezuela
também entrou na mira de programas
americanos
GLENN
GREENWALD, ROBERTO KAZ E JOSÉ CASADO
RIO
- Os Estados Unidos têm programas de espionagem e rastreamento funcionando em vários outros países
da América Latina, além do Brasil. Documentos sigilosos da Agência de Segurança
Nacional (NSA, na sigla em
inglês) aos quais o GLOBO teve
acesso mostram que situações similares
ocorrem no México, Venezuela, Argentina, Colômbia e Equador, entre outros.
Um
dos aspectos que se destaca nos documentos
é que, de acordo com eles, os Estados
Unidos parecem não estar interessados
apenas em assuntos militares, mas também em
segredos comerciais -“petróleo” na Venezuela e “energia” no México, segundo uma listagem produzida
pela NSA no primeiro semestre deste ano (veja
acima).
A
Colômbia foi o segundo alvo prioritário
na América Latina nos últimos cinco
anos - logo depois do Brasil e do México - na atividade de espionagem da Agência de Segurança
Nacional. Documentos da agência, aos
quais O GLOBO teve acesso, mostram
uma coleta de informações na Colômbia em fluxo
expressivo e constante, embora variável, no período entre 2008 e o primeiro trimestre deste ano, até março
passado.
Não há provas disponíveis de que a espionagem via satélites, de telefonia e correspondência eletrônica, com equipes da NSA
e da CIA (Agência Central
de Inteligência) tenha continuado nos últimos três meses.
De
janeiro a março passado, de acordo com os documentos, agentes da NSA
realizaram ações de espionagem na América
Latina usando ao menos dois programas:
“Prism” (no período de 2 a 8 de fevereiro)
e “Boundless Informant” (de janeiro a março).
O
“Prism” possibilita acesso
a e-mails, conversas online e chamadas
de voz de clientes de empresas como Facebook,
Google, Microsoft e YouTube. Através dele, a NSA levantou dados sobre petróleo e aquisições militares da Venezuela, energia e narcóticos do México, além de ter mapeado a movimentação
das Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc).
O mapa da NSA (acima à esquerda)
mostra claramente a quantidade de dados transmitidos por cabos submarinos
de fibra ótica que a agência poderia
capturar em abril de 2007. Esse fluxo de informações serviria para abastecer
o processamento com uso do
“Prism”.
Esse programa, no entanto, não permite
o acesso a todo o universo de comunicações. Grandes volumes de tráfego de telefonemas e de dados na
internet ocorrem fora do alcance da NSA
e seus parceiros no uso do Prism.
Para
ampliar seu raio de ação, a agência desenvolveu outros programas com parceiros corporativos capazes de lhe abrir acesso às
comunicações internacionais.
É o caso do “Boundless Informant”, para catalogação de telefonemas e acessos à internet.
Um
documento sem data, que acompanha mapas
de 2012, descreve as atribuições
da operação “Silverzephyr” (o codinome é referência a uma linha de trem que
existiu nos Estados Unidos nos anos 1940). Segundo uma apresentação interna da NSA
(veja acima), a “Silverzephyr” tinha como objetivo “acessar linhas de transmissão de informações através de um parceiro”. A agência tem como política construir parceria com empresas privadas operadoras de satélites, telefonias e redes de transmissão de dados. O alvo, como mostra
a imagem, eram países da América
Latina. Pela documentação é
possível concluir que, nessa região,
a agência coletou informações a partir de telefonemas, faxes e e-mails rastreados,
possivelmente pelo programa Fairview.
A
importância das operações na Colômbia é destacada
em mapas da agência. Em
parte, pode ser justificada
pela intensa cooperação entre os governos de Washington e Bogotá na
ofensiva contra a guerrilha
das Farc e sua aliança financeira com os cartéis do narcotráfico.
Mas, além dos aspectos militares, há também econômicos
- como petróleo.
A
Colômbia mantém uma aliança militar
com os EUA sem paralelo nos
demais países da América do Sul.
Isso a torna área privilegiada para as agências americanas, como a NSA, na rotina
de coleta de informações ao Norte e ao Oeste
da América do Sul.
Os
documentos da NSA obtidos pelo
GLOBO não contêm números específicos, mas a escala de cores usada na elaboração dos mapas da agência
permite a conclusão de que, nos meses
de março deste ano e do ano passado,
a Colômbia era considerada
um alvo de espionagem tão relevante quanto
o Brasil e o México.
Vigilância na morte de Chávez
Também foram espionados, de forma constante mas em menor
intensidade, Venezuela, Argentina, Equador, Panamá, Costa Rica, Nicarágua,
Honduras, Paraguai, Chile, Peru e El Salvador.
Colômbia, Equador e
Venezuela também foram monitorados, em 2008, pelo programa X-Keyscore, capaz de rastrear e identificar a presença de um estrangeiro em um país através
do idioma usado por ele em
e-mails.
Naquele ano, coincidência ou não, a Colômbia enfrentou uma grave crise com o Equador e a
Venezuela. Forças colombianas
atacaram uma facção da narcoguerrilha,
dentro do território do Equador, que reagiu:
fechou a fronteira e cortou relações com a Colômbia, abrindo uma grave crise diplomática.
Em março do ano passado, a Colômbia e a Venezuela voltaram a
figurar com destaque entre os alvos da
espionagem, conforme documentos na NSA.
Os agentes trabalharam com
o software, conhecido como
“Fairview”. O volume de dados coletados, aparentemente, foi menor que o filtrado
do Brasil no mesmo período, segundo os mapas da
NSA sobre o período.
Em março deste ano, a Colômbia
se tornou prioritária para a NSA tanto
quanto o Brasil. Foi quando morreu
Hugo Chávez. Era o fim de um ciclo
do chavismo. Começava outro jogo político
na América do Sul.