Crise nos EUA alerta
para a questão fiscal
03/08
Entre as tantas datas que entram
para a História desde a eclosão da crise financeira mundial em setembro
de 2008, 2 de agosto de 2011 terá
lugar de destaque, por ser o dia em
que os Estados
Unidos escaparam de um inédito calote. Vencido o grave impasse entre democratas e republicanos, segunda-feira, na aprovação, pela Câmara dos Representantes, do pacote de corte de gastos que viabilizou
a autorização para o aumento do teto da dívida pública, o projeto recebeu ontem o aval do Senado e foi logo à sanção do presidente Barack
Obama.
A autorização
para a elevação do teto de US$ 14,29 trilhões da dívida americana - sem a qual o país teria
entrado ontem tecnicamente em moratória - deixa um rastro de tensão nas duras negociações
entre os partidos e a Casa Branca. Há manifestações de sentimento de derrota entre republicanos
e democratas. A esquerda democrata acusa Obama de ter cedido numa das
cláusulas pétreas do partido: cortes nos programas sociais,
passíveis de serem executados, e automaticamente, caso a comissão bipartite criada para propor
ajustes numa segunda etapa de redução de despesas não chegue a propostas
consensuais. É verdade, mas, em compensação,
Obama e democratas desarmaram
a armadilha republicana de fazer a elevação do teto da dívida em duas etapas,
de forma que a segunda
fosse antes das eleições presidenciais de novembro de
2012. Imagine-se mais uma possibilidade de calote em plena
campanha.
Em troca de cortes de US$ 2,1 trilhões a US$ 2,4 trilhões ao longo de dez
anos, além do recuo no aumento da taxação dos ricos, democratas retiraram o dispositivo do projeto, com o limite do endividamento sendo elevado agora em US$ 900 bilhões e, em seguida, em
mais US$ 1,2 trilhão, para a Casa Branca não necessitar fazer nova barganha antes do início de 2013, já no novo governo. Mas continuará
uma grande negociação em torno
dos cortes. Há análises variadas sobre vencedores e derrotados. Mas sempre existirão visões contraditórias em soluções de compromisso como
a adotada. Ganha-se e perde-se em acordos,
é do jogo.
O sistema
institucional americano demonstrou, mais uma vez, pujança.
Até mesmo ao dar
transparência à obtenção de
músculos pelo movimento conservador e radical
de que o Tea Party, uma espécie de sublegenda republicana, é o exemplo mais visível fora
dos Estados Unidos. Fica, ainda,
a lição para o Brasil da importância da questão fiscal. Ela é tão crucial que
mobiliza um país. E por isso não pode ser tratada
dentro de uma caixa-preta por supostos luminares. Os Estados Unidos, devido às medidas
para evitar o derretimento do sistema bancário e em tentativas
de reanimar a economia - ainda sem surtir
grandes efeitos -, elevaram a dívida para o tamanho do PIB e passaram a acumular um déficit anual de 11% do PIB, situação insustentável. Não havia como escapar do ajuste, mesmo que
o país emita a moeda de reserva internacional, condição a ser mantida ainda por
muito tempo, apesar da crise. As contas
públicas não respeitam voluntarismo dos poderosos de ocasião. Como
alertou o economista Ilan Goldfajn em
artigo, ontem, no GLOBO, o Brasil já está
atrasado na
formulação de um plano de médio e longo prazos
de ajuste fiscal, que tem relação direta com juros e câmbio. É melhor fazê-lo na bonança.