Orgulho ferido e vontade de reordenar o mapa explicam atitudes
de Moscou
Postado por William Waack em 11 de Agosto de 2008 às 19:00
A volta do urso russo é um filme melancólico. Há uma combinação de dois fatores políticos
de primeira grandeza no comportamento de Moscou em relação a
Ossétia-Abcásia-Geórgia: orgulho
ferido por um império perdido, e a vontade de reordenar o espaço mais próximo
(o “estrangeiro próximo”, como dizem os
russos) seja como for. Dois elementos que,
diríamos, são “psicológicos” e “emocionais” explicam o comportamento de estados soberanos? Explicam.
Para quem não passou
por Moscou nos momentos que
se seguiram à implosão do império soviético é difícil avaliar o quanto pesou para
os russos a humilhação. Uma boa parte da reação popular à reordenação política do país – falo aqui diretamente
do apego a políticos de mão dura, como Vladimir Putin – está ligado ao fato
de que a expansão do império não foi
apenas uma conquista bolchevista. Os historiadores em
geral concordam que foi sua
continuação.
Aliás não é dos tempos do comunismo – ou da paranóia de Stalin – que os russos
se acham cercados pelo Ocidente, ou desprezados pelas capitais ocidentais, ou ambos. E, na maneira
deles perceberem o mundo, não faltam exemplos.
A maneira como
a Otan estendeu suas fronteiras até a borda da
Rússia, por exemplo, atende perfeitamente às necessidades de segurança de países que hoje
são de novo parte da Europa Central.
Mas, aos olhos
de Moscou, não foi outra coisa
senão o uso
de uma oportunidade – o esfacelamento da União Soviética e a grave convulsão interna – para limitar ainda
mais sua margem de ação. Putin é tudo, menos
um jogador de pôquer.
E nas várias intervenções públicas nas quais abordou
a questão do relacionamento
de Moscou com o Ocidente (entendido aqui principalmente como
os Estados Unidos e os países
centrais da União Européia) sempre deixou claro
que um de seus objetivos era o de restaurar o orgulho perdido.
Meu cuidado aqui
é o de não cair no argumento bastante simplista de que a atitude russa em
relação às províncias separatistas e à própria Georgia é uma “justificada” reação à maneira como
Moscou se viu tratada pelo Ocidente.
E à forma como os Estados Unidos entraram em guerras
no Oriente Médio, ou à forma como os principais países
ocidentais reconheceram a independência do Kosovo da Sérbia, uma antiga
cliente de Moscou. Explicar um comportamento (no caso, o dos russos) não é apoiá-lo.
Tampouco estou preocupado em estabelecer, neste momento, um julgamento moral.
Potências agem de acordo com seus interesses, especialmente em relação a seus
vizinhos, e o uso
da força jamais foi excluído
das relações internacionais.
Pode-se caracterizar tudo isso como cinismo e comportamento amoral – prefiro a velha expressão alemã da “Realpolitik”.
O problema
aqui é estabelecer se os caminhos de “Realpolitik” escolhidos por Putin no caso da Geórgia restauram
a Rússia como
uma potência internacional ainda mais forte – ou simplesmente forte, mas não confiável. Se
a conduta de Putin frente ao investimento estrangeiro aumenta o poder de barganha econômico internacional da Rússia, ou
apenas a torna um parceiro indesejável. Se o
entendimento de que países como a Geórgia
ou a Ucrânia se tornaram inimigos, por terem passado
por reformas políticas muito mais amplas que
a Rússia, ajuda Moscou a forjar uma parceria estratégica
com a Europa – ou, ao contrário, se a afasta de um objetivo importante de longo prazo.
Conviver com a Rússia ficou
mais difícil. Talvez seja apenas isso que Putin consiga.