O porta-aviões e a influência dos EUA

Postado por William Waack em 29 de Abril de 2008 às 18:31

Poucos militares gostam de dizer que sua atividade tem fins políticos -e os americanos que comandam o porta-aviões George Washington não são exceção. Numa breve visita ao navio principal das manobras Unitas, nesta segunda feira (28/04), o almirante Phil Cullon, o comandante da frota americana, admitiu um “significado políticoda presença do George Washington no Atlântico Sul na sua abrangência mais ampla.

Na verdade, a vinda do poderoso navio de guerra –o centro de uma força de ataque conhecida como Strike Group 8– para manobras conjuntas com as marinhas da Argentina e Brasil tem um precedente político importante. Entre oficiais da Marinha de Guerra do Brasil causou enorme descontentamento o fato de a Unitas (o nome oficial dessas manobras conjuntas) não terem sido realizada três anos atrás por interferência política atribuída por oficiais brasileiros a Hugo Chávez.

que o governo brasileiro não nos verbas para reequipar a Marinha, porque pelo menos não nos deixam participar de manobras conjuntas com uma marinha muito mais avançada (a americana) da qual podemos aprender muitas coisas que não estão nos manuais?”, perguntava, alguns meses, um importante comandante brasileiro que prefere não ter o nome divulgado.

Nesse sentido, o “recado” dado pelos americanos é razoavelmente claro. O George Washington tem 85 aviões de combate, entre eles o Super Hornet, a aeronave mais poderosa operando a partir de navios. Em um único porta-aviões dessa classe (a Nimitz) é mais avião de guerra de última geração voando do que a totalidade das aeronaves equivalentes à disposição da Força Aérea Brasileira.

Os pilotos e técnicos americanos provavelmente voam mais horas por semana em condições próximas às reais (45% dos vôos, por exemplo, são noturnos) do que seus colegas brasileiros e argentinos fazem em um ano, arrisco-me a dizer. Um dos pilotos brasileiros que assistia de camarote ao espetáculo de aviões ultramodernos sendo lançados e recolhidos à razão de 1 a cada 3 minutos (quase o ritmo de um movimentado aeroporto internacional civil) do convés de vôo do George Washington comentava com óbvia admiração: “o que eles fazem não é muito diferente do que a gente faz, mas a diferença é quantas vezes eles fazem”.

Porta-aviões mudaram a história das guerras nos mares, e a data precisa é o começo da Segunda Guerra Mundial, quando aviões japoneses acabaram em poucos minutos com dois formidáveis navios de superfície britânicos. Depois disso, e excetuando-se o uso da arma submarina para fins estratégicos, é impossível pensar em projeção do poder naval sem a aviação embarcada. Nesse sentido, a presença do George Washington é – quer seu almirante concorde com isso ou nãouma clara exibição de poderio militar e político.

A mensagem é conhecida muito tempo pelos militares brasileiros da Marinha: para proteger tanto mar declarado como o nosso temos muito poucos recursos. E nem se trata de fazer comparações com um “strike group” como o do George Washington (cujo preço de construção foi quase duas vezes o PIB de um país como a Bolívia, por exemplo).

Outra experiência foi bastante interessante a bordo desse porta-aviões americano. Entre os 4 mil e tantos tripulantes havia vários brasileiros. É bom insistir na palavra brasileiros pois esses marinheiros e marinheiras, embora trajando o uniforme de uma Força Armada de um país estrangeiro, continuam se sentindobrasileiros. Em outras palavras: consideram-se militares americanos de profissão e brasileiros de alma e coração.

Os nomes pintados nas fuselagens dos modernos aviões de combate, as tarjas com os nomes nos uniformes dos técnicos e marinheiros e grande parte dos oficiais a bordo são latinos. Ouve-se muito espanhol a bordo do George Washington, que é considerado um padrão em termos de treinamento e capacidade de combate. Obviamente essa capacidade é função damão-de-obra”, digamos assim, e não do hardware ou software de sistemas bélicos.

É o mesmo que acontece com a construção civil: um mexicano ou brasileiro com 7 a 8 meses de permanência numa grande cidade americana alcança, em média, nesse mesmo espaço de tempo, a produtividade de um trabalhador americano. Ou seja, esses imigrantes ou filhos de imigrantes a bordo de uma arma de primeiro mundo demonstram o mesmo padrão de eficiência e capacidade técnicas de “soldados” de primeiro mundo.

Minha leitura dessa curta visita ao George Washington tem dupla natureza. Primeiro: essas águas do Atlântico teriam, sim, de ser nossas não por direito, mas de fato. Segundo: podemos, sim, ser tão bons quanto eles. É parar de acreditar nas coisas erradas. E perder aquele complexo de vira-lata tão bem descrito por Nelson Rodrigues, e tão bem encarnado por Hugo Chávez.