Pobreza e tortura
Ontem
Rafael Barbosa
1. Dois
milhões de pobres. Cerca de metade são crianças e velhos. É esta a verdadeira medida do nosso atraso e da nossa vergonha,
não a percentagem de PIB que ora
desce, ora sobe. Os dois estudos,
o do PIB e o da Pobreza, foram conhecidos esta semana. Chegaram da mesma fonte,
o Banco de Portugal. Mas enquanto o primeiro gerou muito ruído, o segundo mal se ouviu. Intitula-se "Novos factos sobre a pobreza em Portugal", é de Nuno Alves e está
disponível na página de Internet do BdP.
Diz-nos esse estudo
que havia dois milhões de pobres em 2006. Ainda estávamos, portanto, em período
de "prosperidade". Como sempre,
entre os mais pobres estavam os que não
tinham nada para oferecer ao colectivo,
os que não
acrescentam nada ao crescimento do PIB, ou seja, 300 mil crianças e 600 mil idosos. Diz-nos ainda o estudo que os
agregados mais vulneráveis à pobreza são as famílias monoparentais, as que incluem idosos com baixos níveis de educação e, finalmente, as famílias em que
um ou mais adultos estão no desemprego.
Esta conclusão, conjugada com o que se tem passado entretanto, ou seja, com o aumento significativo da taxa de desemprego,
sobretudo nos últimos meses, remete para uma
realidade assustadora: a de
o contingente de pobres em Portugal já ser bem superior aos dois milhões. Crianças
e velhos incluídos. Apetece portanto perguntar quando é que o país e a nossa classe política
darão mais importância a esta
negra realidade do que a percentagens do PIB. Que mais
não seja, pelo menos por
razões de aritmética eleitoral. Os pobres comem mal, vestem roupa coçada, têm
muitas doenças, são pouco educados,
mas também
votam.
2. Tortura
do sono, simular a morte por asfixia,
espancar, manter o detido nu. Tácticas que os agentes
da PIDE certamente
não desdenhariam quando interrogavam os presos políticos
portugueses. Acontece que a listagem não remete para
qualquer memorial de horrores
do Estado Novo, agora que se aproximam
os 35 anos do 25 de Abril. Antes para o sinistro catálogo que um regime democrático como os EUA
permitiu que se redigisse, com o propósito de ser
utilizado contra suspeitos
de terrorismo. Os manuais foram conhecidos esta semana. Particularmente
brutal é a descrição do "waterboarding",
técnica em que o detido fica
deitado e imobilizado, com
um pano tapando a boca e o nariz, enquanto lhe despejam
água. Trinta a 40 segundos de sensação de morte por asfixia.
Um método que os carcereiros da CIA recomendavam que fosse conjugado com a privação do sono, até sete dias.
Ficava garantida uma confissão a preceito.
Estas práticas foram entretanto proibidas por Obama, que lamentou um "capítulo negro e doloroso" da
história americana. Convém lembrar, no entanto, que tendo
sido um capítulo protagonizado por Bush, contou com a cumplicidade política de alguns líderes europeus, como Blair, Aznar e até Durão Barroso.
O único que se mantém num cargo político relevante é o último. Fará sentido que
continue?