Good F#@king
Questions, Good F#@king Answers
22 Outubro2010
Nicolau do Vale Pais
A conversa
começa à volta de um chapéu de "cowboy", oferta
do convidado desta noite para o anfitrião,
o humorista Jon Stewart; o adereço
tinha sido mandado fazer para
Ronald Reagan, um dos "iluminados" pais da auto-regulação dos mercados, avô da crise "subprime". Dick Armey, ex-congressista Republicano e autor do livro "Give Us
Freedom - The Tea Party Movement Manifesto", define-se como
um defensor da segunda emenda e diz que
"para uma ilha deserta, escolheria
levar uma arma"; Stewart diz que escolheria "levar um barco". Ao longo da entrevista, Armey defende que a classe
política (se toda, não diz) terá
usurpado "o povo"
(se todo, não diz) ao instalar-se
no Governo - e que os impostos que
"o povo" paga não têm destino
útil (todos os impostos, isso
já diz). Inspiradoramente prudente,
Stewart ouve até ao fim este
regabofe: o seu humor redime-nos destes néscios que, levados
com a seriedade que reclamam, estariam realmente a incitar à anarquia e ao fim
do Federalismo americano pós-Guerra Civil. Usando da credibilidade e projecção granjeada pelo seu programa de estrondoso e durável sucesso, marcou para o dia 30 de Outubro próximo a "Marcha para restaurar
o bom senso"; esta destina-se, anuncia, a dar a palavra aos "80 ou 85% de Americanos que não são
extremistas" e a compensá-los
dos "15 a 20% que o são
e que dominam o debate político nacional". Com o sentido de antecipação e
"timing" que se lhe
conhece, este
"showman" marcou a coisa
para dois dias antes das eleições intercalares - porventura as mais importantes do género dos últimos anos.
Incendiários escondidos em pele de cordeiro
que, estando dentro do sistema, reclamam a sua falência numa perigosa
alternância entre a bonomia
e o justicialismo, arrefecem-se
com pragmatismo e lucidez; já há alguns
anos, pude assistir, no mesmo programa, a uma outra entrevista de uma personagem radical-conservadora, Ann Coulter de seu nome, que, oscilando
bipolarmente entre amor comunal e ódio sectário, ia encontrando
culpas nos liberais e no liberalismo para quase tudo,
da crise moral (não diz qual crise
moral, nem de quem), à crise financeira. O seu teorema: "pode haver maus
Republicanos, mas não há bons
Democratas". Stewart sabe
que a exposição é o melhor remédio e, com uma confiança cívica
ímpar, vinha permitindo espaço à entrevistada - e ao público - para uma opinião livre,
nunca reagindo; mas, de caras com o equívoco estéril do exagero, acaba por rematar: "é curioso, porque pensei que a velha
batalha liberal 'versus' conservadores
fosse coisa de dinossauros;
na realidade, parece-me que a verdadeira batalha é a dos moderados contra os extremistas".
Não há nada mais
divertido do que ver a sagacidade transformar bonecos em espantalhos. "Good f#@king questions deserve good f#@king
answers" é um bom "slogan".