Três
meses em Washington
Jorge Brito
Pereira
Os crimes financeiros
são punidos nos Estados Unidos
com perturbadora violência.
Olhando apenas para alguns dos casos mais mediáticos
dos últimos anos, Bernard Ebbers, ex-CEO da WorldCom, foi condenado a 25 anos de prisão
Os crimes financeiros
são punidos nos Estados Unidos
com perturbadora violência.
Olhando apenas para alguns dos casos mais mediáticos
dos últimos anos, Bernard Ebbers, ex-CEO da WorldCom, foi condenado a 25 anos de prisão; Andrew Fastow, ex-CFO da Enron, foi condenado a 10 anos de prisão (depois reduzidos para seis), e com ele foram condenados
outros 14 altos quadros da empresa; L. Dennis Kozlowski e
Mark H. Swartz, respectivamente ex-CEO e ex-CFO da Tyco, foram condenados a oito a 25 anos de prisão; John Rigas, fundador da Adelphia Communications, e o seu
filho Thimoty, foram condenados, respectivamente, a 17 e 12 anos
de prisão; a popular apresentadora
Martha Stewart foi condenada
a cinco meses de prisão (e três meses de prisão domiciliária) por ter mentido a respeito
dos motivos da venda de 3.928 acções da ImClone Systems, uma sociedade gerida
por um amigo, Sam Waksal, pouco antes de más notícias terem feito o preço das acções cair. E a lista não tem fim.
Tanto ou mais
perturbador que a violência destas penas é ver a dificuldade
que temos, em Portugal, para punir criminalmente os autores de crimes financeiros e, mais em geral, de escândalos
mediáticos - o fenómeno, sendo mais perceptível
nos crimes financeiros - tema em relação
ao qual ainda
poderão existir razões de (falta de) censura social que ajudam a explicar o que se passa -, é generalizável a tantos outros tipos de criminalidade, com a razoável excepção dos crimes de sangue.
De cada
vez que surgem
notícias na
imprensa sobre a possível actuação criminosa de uma figura pública, o primeiro momento é sempre de linchamento popular. Tipicamente, surge um ensurdecedor
rugir social que clama pela aplicação
de penas exemplares,
desproporcionadas e desajustadas.
Como a Justiça é lenta e pesada nos seus
movimentos, este primeiro momento chega a durar meses
ou anos, e só arrefece quando
o visado, percebendo - tantas vezes tardiamente
- que a grande fogueira acesa o queimou, se retira da praça pública.
Poucos são os que o percebem
a tempo e que, por isso, saem apenas
chamuscados.
O segundo
momento - certamente o mais dramático - é o do processo judicial. Sendo a acusação alimentada
pela fogueira mediática quando esta é um verdadeiro fogo dos infernos, vemos sempre, com o julgamento, essa fogueira a amainar. Quando pouco mais tem que cinzas, o processo
transforma-se num pesadelo burocrático em que as regras garantísticas
são usadas e abusadas pelo visado;
anos depois, milhares de páginas de processo depois, o caso exemplar transforma-se num processo de resultados divididos, em que
a opinião pública já não
sabe para onde balouçar.
A verdade
é que não sabemos punir. Não o sabemos fazer
nos Tribunais, nas escolas ou
nas empresas. Está na nossa alma e no nosso sangue; está na
nossa cultura e no nosso ser; somos inquisidores e promotores de redenção; somos fortes com os fracos e fracos
com os fortes; somos, na mesma pessoa,
fortes e fracos e perdemos
o equilíbrio que deve reger, em
cada momento, a aplicação da Justiça.
A violência crítica da culpa que alimenta
a fogueira inicial tem a mesma intensidade que capacidade de redenção - com a intermediação humana que tanto caracteriza
a nossa vivência católica - do confuso perdão final.
A nossa
incapacidade de punir com eficácia tem custos sociais significativos - faz de nós injustos
com os inocentes e com os culpados; faz
com que o julgamento social
se sobreponha ao processo jurídico; faz de nós uma
sociedade mais insegura e mais fraca, especialmente quando comparada com aqueles que lidam
bem com a culpa e com o castigo.