O
carro de Larry Flynt
Estou entre aqueles que depositam (termo pouco usado
nos dias
de hoje) grande esperança no Presidente Obama e que acreditam que
vai haver uma grande mudança
na política americana e, quiçá, no Mundo inteiro. Já não era sem tempo, olhando para todas as arbitrariedades
e erros da Administração anterior. Nestes últimos tempos,...
Frederico
Bastião
Nestes últimos tempos, uma arbitrariedade que me revoltou foi o nada ter sido feito por
uma indústria com grande implantação nos EUA, que
exporta em quantidade e qualidade para todo o Mundo:
a indústria do entretenimento para adultos (deixem-me chamar-lhe assim por falta de melhor
tradução, que pior há).
Pois é, meus queridos
leitores, um conjunto importante de figuras representativas do sector, os senhores Heffner, da
"Playboy", Flynt, da
"Hustler", e Davis, da "Girls Gone
Wild", reclamam ao governo americano uma ajuda extraordinária
de 5 mil milhões de dólares
– uma parte ínfima dos auxílios que vão
ser concedidos – para um
sector que emprega uma parte não desprezável
nem desprezível da população americana
e que é imprescindível: como salienta Flynt,
"os americanos podem viver sem
carro, mas não podem viver
sem sexo". E a mim, pessoalmente, irrita-me estarem sempre a ser criados subsídios e outras benesses com o argumento da discriminação positiva e agora, para uns desgraçados a cujo trabalho só
é reconhecido mérito às escondidas, fazer-se uma discriminação
negativa, do tipo "vai para todos
menos estes".
Mesmo não concordando com a coisa em si, há
que reconhecer que a hipocrisia tem limites: se servem para pagar impostos,
têm os mesmos
direitos que os outros.
De facto, quando pensamos nisso, muito mais
merecem os senhores Hefner e companhia que, por exemplo,
o sector automóvel, que vai ser contemplado com centenas de milhares de milhões. Com efeito, o entretenimento
para adultos é uma actividade de trabalho intensiva, logo, mais favorável à criação de emprego. É dificilmente deslocalizável, pois não estamos
propriamente a falar de
"call centers", mas sim
de "call girls" para as quais
é mais importante a proximidade; o automóvel já está quase
totalmente deslocalizado e
o que falta deslocalizar é só uma questão de tempo. Mas mais importante
que tudo isto, trata-se de um bem público: quando
a "Playboy" divulga um vídeo
na televisão
ou na Internet, uma pessoa estar
a vê-lo não prejudica em nada a qualidade do visionamento de outro espectador – o vídeo é não rival no consumo. E, por outro lado, quando
um vídeo é vendido, se alguém o coloca num
"site" de "downloads", toda a gente passa a ter
acesso a ele, logo, torna-se impossível excluir alguém do seu usufruto – esta impraticabilidade da exclusão é outra
características dos bens públicos.
E sob o ponto de vista da teoria económica
é mais natural que o Estado
auxilie uma indústria de bens públicos que o automóvel, privado por excelência.
E o sector precisa desesperadamente de auxílio, pois está
a passar por "hard
times". Num
documento enviado em Outubro passado
ao regulador (do mercado de capitais, a Securities
and Exchange Commission), a Playboy comprometia-se a levar a cabo um programa de redução de efectivos que levaria
inclusive ao despedimento
de parte dos seus trabalhadores.
Quando a "miss July" é despedida,
é porque é sério!
E os
problemas que a indústria tem são também culpa do Estado. Como disse Jonathan Berr,
porque razão hei-de comprar uma vaca se posso
ter o leite de borla? Com o produto acessível na
Internet, para quê comprar revistas ou vídeos? As vendas caíram e as receitas da publicidade
caíram com elas, porque o Estado é incapaz de
defender a propriedade intelectual
(não se riam, é propriedade intelectual!) e evitar que as cópias
piratas circulem por todo o lado.
Mas como
se isto não bastasse, salienta Chris Dillow, a actividade sofreu ainda mais
com as "amadoras", que
se apresentam na Net de borla. Como pode
então, pergunta Dillow, resistir-se a piratas e a quem pratica preços predatórios ou
"dumping"? Nestas condições, salienta,
o governo tem mesmo que ajudar o sector.
Mas então porque
não dá a Administração americana
a mão à palmatória? Só encontro uma
razão: depois da farra das ajudas
aos bancos e da "rave" dos apoios ao sector automóvel, era só isto que
faltava para que se dissesse que a política económica americana está transformada num autêntico bordel.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola
de Altos Estudos das Penhas
Douradas. Quando perguntámos a Frederico se é leitor da Playboy, Frederico respondeu: "Estou a pensar vir a sê-lo. A política portuguesa já não me excita!"