A derrota de Hillary 

 

Marina Costa Lobo

 

12 Junho 2008

 

Hillary Clinton reconheceu que não podia ganhar as eleições primárias e tornar-se a primeira mulher candidata a Presidente dos Estados Unidos da América pelo Partido Democrata.

 

No seu último discurso em Washington D.C. perante centenas de apoiantes afirmou o seguinte: "Quando me perguntavam o que significava para mim ser mulher e candidata à Presidência eu dava sempre a mesma resposta: que tinha orgulho em candidatar-me enquanto mulher, mas que era candidata porque considerava que seria a melhor pessoa para o cargo. Mas eu sou mulher e tal como milhões de mulheres sei que existem barreiras e preconceitos, por vezes até exprimidos de forma inconsciente, e gostaria de contribuir para uma América em que o potencial de todos seja respeitado e reconhecido."

 

Esta é de facto uma questão que permanece. Depois de milhares de quilómetros percorridos, mais de vinte debates entre os candidatos à nomeação presidencial pelo Partido Democrata, dezenas de eleições primárias e milhões de votos, em suma, no final de uma campanha extremamente competitiva e desgastante, sobra a dúvida: em que medida é que o facto de Hillary ser mulher contribuiu de forma decisiva para a sua derrota? Quanto valeram os preconceitos contra as lideranças políticas no feminino e qual a força das barreiras muitas vezes invisíveis que existem e que dificultam a progressão nas carreiras das mulheres?

 

Não , apesar de tudo, razões óbvias para Hillary pensar assim. Em primeiro lugar, porque o facto de ser mulher e casada com o ex-Presidente Bill Clinton lhe forneceu grande parte do currículo político que ela detém. Depois, porque se considerarmos alguns dos grupos sociais que apoiaram Obama de forma sistemática, a saber, os mais educados, os jovens e os independentes, estes seriam de um modo geral grupos sociais que estariam predispostos a aceitar uma mulher como Presidente. A forma como estes cidadãos não aderiram à campanha de Hillary Clinton terá muito mais a ver com os seus posicionamentos ideológicos e políticos, do que porventura com o facto de ela ser mulher.

 

Tendo em conta a forma sólida e constante como os diversos grupos sociais se alinharam com um dos dois candidatos ao longo das primárias e Estado após Estado, os media americanos consideraram que a derrota de Clinton, aliás por uma margem muito pequena, se deveu a erros de campanha: não se investiu fortemente nos Estados mais pequenos, não se planeou uma campanha que durasse para da "grande terça-feira" de Março.

 

Nesta superprimária, a equipa de Clinton pensava selar a nomeação ao somarem os delegados de grandes Estados como a Califórnia e o Texas. Obama fez uma campanha com grande intensidade em todos os Estados com primárias, fossem eles grandes ou pequenos. Esta constância terá sido determinante em retrospectiva. Além disso, um pormenor simbólico, mas importante: enquanto Clinton usou a Internet essencialmente para canalizar informação sobre si própria e o seu programa, Barack Obama, assessorado por um dos criadores do Facebook, conseguiu transformar o seu "site" numa plataforma de mobilização política por todo o país e numa fonte de financiamento sustentável para uma campanha longa e cara.

 

Hillary Clinton teve por isso uma verdadeira oportunidade para se tornar a primeira candidata dos Democratas à Casa Branca e 18 milhões de pessoas votaram nela, num processo extremamente participado. Embora tivesse falhado na tentativa, isso não terá acontecido por ela ser mulher. No entanto, ao chegar tão longe na corrida ao cargo político mais poderoso do mundo, ela serviu de facto para reforçar a legitimidade das mulheres na corrida à Casa Branca. Deste lado do Atlântico, as comparações deixam bastante a desejar. Nos últimos tempos os líderes de governo têm discutido quem irá ocupar no futuro próximo os lugares cimeiros da UE, nomeadamente o de Presidente do Conselho Europeu, e o de Presidente da Comissão Europeia. Dos nomes que têm sido discutidos na imprensa, não consta uma única mulher.