As crises e a 'sillyseason'

 

Benjamim Formigo|

 

18 de Agosto, 2014

 

No Verão editores e jornalistas procuravam notícias que escasseavam satisfazendo-se com matéria que normalmente nem seria nota de rodapé.

 

Era a “sillyseason” (ou época parva) quem satisfazia o imperativo de encher o mínimo de páginas exigido pela publicidade.

 

De um momento para o outro, com esta novel ordem internacional tudo mudou. A dificuldade agora é decidir entre as várias crises.  A crise despoletada pelo surto de ébola e a ameaça de se deslocar para a Europa e Estados Unidos levou a uma mobilização sem precedentes, não a FDA (agência norte-americana responsável pelo licenciamento de drogas e alimentação) aceitou o uso de um medicamento experimental como a própria Organização Mundial de Saúde permitiu a utilização de drogas experimentais em humanos, rompendo ambas com o principio ético de não usar cobaias humanas.

 

Mesmo assim o contágio alastra entre os países da África Ocidental, ao mesmo tempo que outros, como por exemplo o Quénia, optam por fechar as suas fronteiras legais. Não fronteira terrestre que resista se refugiados pretenderem passar.

 

Em simultâneo mantêm-se as críticas ao novo Governo egípcio ao mesmo tempo que se espera dele uma mediação que possa trazer um alívio para a situação palestiniana, facilitada agora pela opinião pública israelita que começou a vir para as ruas dizer basta à violência desencadeada pelo Estado de Israel contra Gaza.

 

A Síria vive uma situação catastrófica. Estima-se que um terço do seu território, confinante com o Iraque, possa estar sob controlo dos fundamentalistas do Estado Islâmico do Iaque e da Síria.

 

 Segundo indicações dos serviços de informação americanos, citados pelo diário britânico “The Guardian”, militantes de movimentos ligados à Al Qaeda no Iémen e em África estariam a juntar-se às forças do Estado Islâmico do Levante, cujas elementos demonstraram estar fortemente armadas graças a material levado dos paióis de unidades conquistadas ao Exército regular iraquiano e a equipamento recebido enquanto oposicionistas ao regime sírio enviado pelas potências ocidentais para a resistência.

 

 Os ataques contra cristãos e curdos iraquianos não param, obrigando os Estados Unidos a intervirem em apoio às forças curdas em defesa de localidades e da barragem de Mosul, objectivo estratégico no Curdistão iraquiano.

 

 Aos americanos parece ir juntar-se agora a RAF, força aérea britânica, na tentativa de travarem o avanço dos extremistas que dispõem de meios blindados ironicamente de fabrico norte-americano.

 

A intervenção dos EUA e da Grã-Bretanha levanta a questão da obrigação de defender e direito a ser defendido. No caso do Iraque, mesmo depois da demissão do Primeiro Ministro que fez parte do problema, coloca-se a questão do colapso do Estado.

 

Na questão palestiniana a situação tem nuances dada a intervenção do Hamas, contudo o seu direito à paz e defesa deveria prevalecer.

 

Na Ucrânia entretanto a tensão na fronteira com a Rússia sobe com a coluna de ajuda enviada por Moscovo estacionada junto da fronteira. Vladimir Putin aceitou as condições do Presidente ucraniano de permitir que os camiões fossem vistoriados entes de entrarem. E foram.

 

 Todavia a ajuda humanitária continua a escassos quilómetros dos destinatários enquanto Kiev procura capitalizar com o envio da sua ajuda. Se alguma boa notícia poderá existir sairá talvez da sequência do encontro de Berlim de domingo. O facto de ao longo do dia não estar nas notícias pode indicar que algum progresso poderá existir. Mas um progresso muito difícil.

 

A Rússia não vai abandonar os seus cidadãos e os russófonos às mãos de um Governo que não mostras de flexibilidade e cujo Primeiro Ministro, provavelmente por inexperiência, toma diariamente na televisão atitudes que, seja qual for o ponto de observação, são objectivamente provocatórias.  As últimas afirmações de confrontos, da destruição de blindados russos que teriam passado a fronteira são pouco animadoras.

 

 A ser verdade o silêncio público seria a melhor atitude, deixando que pelas vias diplomáticas corressem os protestos e que os aliados da Ucrânia fizessem essa denúncia.

 

 A ser falso foi uma forma de provocar o urso russo que nem sequer está ferido, quanto mais moribundo. Putin esta semana deu sinais de abertura, indo mesmo ao ponto de afirmar que não queria ver a Rússiaisolada”. O recado foi claro.

 

 Moscovo não está interessada em confrontos mas não a qualquer preço e se tiver de pagar o preço de um confronto apenas procurará que este seja limitado ao Leste da Ucrânia. Kiev verá então quem são os seus aliados.

 

A Chanceler alemã Ângela Merkel parece estar a ter um importante papel por detrás da cortina, beneficiando das tradicionais relações com a Rússia, dos seus laços económicos, bem como da dependência da UE em que a Ucrânia se colocou.

 

Os conflitos, as crises, incluindo as sociais que nos últimos dias atingem o estado norte-americano do Missouri, não se ficam por aqui.

 

 Ao contrário do que muitos podem pensar nada disto está a acontecer longe sem nos afectar. A interligação da situação internacional tornou-se um facto do dia a dia. Hoje não sillyseasonque dava destaque a esses tais acontecimentos demasiado longe.