Acordo Brasil-Irã resolve o impasse nuclear?
As primeiras reações
dos governos ocidentais foram de estupefação. A aposta
generalizada de vários líderes era em fracasso na
missão a que se propusera o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da
Silva. Não apenas por desacreditarem de sua fórmula, mas
principalmente pelos problemas que lhes
acarretariam se vingasse a
via negociada na
tensão com o Irã.
São
para deixar com a orelha em
pé as desconfianças e resistências exacerbadas com as quais, em certas
áreas, foi recebida a assinatura do compromisso de Teerã. Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha – com maior ou menor grau
de desenvoltura – preferiram
questionar a eficácia do acordo a reconhecer o estabelecimento concreto de novos paradigmas.
Seus porta-vozes recorrem
a argumentos frágeis. Um deles é que o Irã não estaria
transferindo todo seu estoque de urânio para a Turquia,
quando a própria Agência Internacional de Energia Atômica já calculara que
a neutralização de 1,2 toneladas
do minério seria o suficiente para anular qualquer projeto atômico de caráter militar. No fundamental, os termos do acordo
são os mesmos
da proposta oferecida por Estados Unidos,
Rússia e França há oito meses,
pela qual o Irã deveria entregar
ao redor de 70% do seu urânio enriquecido
a mais de 5%.
As lideranças desses
países dão sinais de se sentirem duplamente incomodadas. Antes de mais nada porque sua arrogância imperialista, geneticamente indutora do belicismo, foi suplantada pela intervenção de um líder popular e de esquerda do terceiro mundo. Mas também
porque não lhes agrada perder
o pretexto nuclear de sua estratégia geopolítica.
Tal
como as “armas de destruição em massa”
foram senha para a ocupação ilegal do Iraque, o risco do desenvolvimento da bomba é código para enfraquecer e derrotar o único pólo de resistência à hegemonia norte-americana e ao sionismo no Oriente Médio. As principais nações capitalistas ambicionam, além do mais, controlar
o petróleo do Golfo Pérsico e a rota marítima do estreito de Ormuz, por onde trafega
o óleo da Arábia Saudita, Kuwait e outros países árabes, rumo ao ocidente.
Os senhores da guerra acabaram surpreendidos pela capacidade de articulação do presidente Lula e pela disposição de diálogo do governante iraniano. Até esse
último final de semana davam de barato que, mais cedo
ou mais tarde,
um governo títere acabaria por emergir
em um Irã submetido ao sofrimento
econômico e à ameaça militar. O líder brasileiro atrapalhou esses planos, ao
facilitar um ambiente de negociação justa e soberana.
Mas
não deve haver ilusões. Nos próximos dias os chefes
políticos das grandes potências farão o que puderem para
limar a repercussão positiva do acordo de Teerã, para desacreditá-lo
e levá-lo ao fracasso. Ainda que temam ficarem nus diante
da opinião pública, não podem admitir
que soluções dessa envergadura sejam adotadas à sua revelia. Contarão com o apoio, nessa empreitada,
de grande parte das principais
máquinas de comunicação.
A
intervenção do presidente
Lula, afinal, não é reveladora apenas de talento e carisma. Apresenta-se como
a conseqüência de uma política internacional autônoma que busca
fortalecer laços de todos os tipos
entre povos e governos encurralados pela ordem unipolar. A relação de franqueza
e confiança com os iranianos é produto desse esforço.
Outros líderes que partilham desse ponto de vista também aportaram sua colaboração,
como o venezuelano
Hugo Chávez, que se empenhou
em eliminar as últimas resistências do colega Ahmadinejad a uma saída pactuada. Mesmo a Turquia, integrante da OTAN e aliada próxima
dos Estados Unidos, acabou por se juntar
ao caminho proposto por Lula.
A formação de alianças
fora da órbita imperial, porém, é tudo o que não interessa
a Washington e seus subservientes
associados europeus. Trata-se
de inaceitável desrespeito ao acordo tácito
para transição do unilateralismo pós-guerra fria a um multilateralismo
circunscrito às nações do G8. A cúpula
de Teerã viola os interesses desses centros hegemônicos, que de tudo farão
para ressuscitar o impasse
nuclear.
O que está em
jogo vai além do episódio iraniano. Diz respeito
à possibilidade de uma reconfiguração ampla do cenário mundial. O embate, que será
duro e encarniçado, apenas subiu de patamar. O Brasil ajudou a dar voz
e vez ao sul do planeta.
Breno Altman é jornalista e diretor
editorial do site Opera Mundi (www.operamundi.com.br)