Caso Fifa não vai virar o mundo do esporte no avesso

 

Edgard Alves

 

Não basta uma mera operação policial, mesmo que caudalosa, como é o caso em voga FBI x Fifa, para virar o mundo do esporte no avesso. Nada disso vai transformar os integrantes das organizações esportivas em vestais. Por algum tempo, certamente, se tornarão mais cautelosos. Apesar disso, é lógico, episódios dessa natureza e com tal desfecho são sempre reconfortantes.

 

Esse tipo de operação, que pune com estardalhaço corruptos e malfeitores, normalmente os mais vulgares, insaciáveis e atrevidos, provoca uma sensação geral de alívio, mas o tempo, com certeza, mostrará os detalhes e a verdadeira face de uma operação de tamanha grandeza.

 

Vale aqui registrar o posicionamento do presidente do COI, o alemão Thomas Bach, que, pela mídia, manifestou como "necessárias" as reformas "apropriadas" (não ficou claro se amplas e irrestritas ou apenas de ajustes pontuais) pelas quais a Fifa deve passar.

 

Optou ainda por não polemizar sobre a renúncia de Joseph Blatter, que acabara de ser reeleito pela quarta vez consecutiva, e a convocação de novas eleições na entidade máxima do futebol.

 

O COI passou por amarga experiência, em 2002, com o escândalo da compra de votos da Olimpíada de Inverno de Salt Lake City, nos EUA. As coisas pareciam caminhar fora de lugar e implodiram com os desacertos nos anos da fase que precedeu aqueles Jogos, quando o escândalo estourou.

 

Foi um alerta sobre a precariedade da forma de administrar naquela época, com brechas para desmandos. Entretanto, não se registraram mudanças drásticas para correção de rumo e de postura.

 

Finalmente, em dezembro último, o COI aprovou a sua Agenda 2020, um pacote para enquadrar o movimento olímpico no contexto do mundo atual, com 40 recomendações mais apropriadas aos tempos correntes, visando principalmente redução de custos e Jogos mais viáveis.

 

Não se tratou de um gesto de boa vontade. Resultou da pressão internacional e da situação mundial castigada por graves crises econômicas. Esses pontos, mais o gigantismo da Olimpíada, assumiram tamanha proporção que tornou o evento praticamente insuportável até mesmo para cidades com potencial para organizá-lo.

 

A grave situação ficou mais alarmante quando somente Pequim, na China, e Almaty, no Cazaquistão, mantiveram suas candidaturas para os Jogos de Inverno de 2022, com sede ainda não definida. Outras quatro cidades interessadas(Estocolmo, na Suécia; Cracóvia, na Polônia; Lviv, na Ucrânia; e Oslo, na Noruega) desistiram por causa das exigências da carta de compromissos.

 

A Agenda 2020 entra em vigor para valer apenas para os Jogos de 2024. Apesar disso, a organização de Tóquio-2020 desfrutará do respaldo de algumas das novas medidas, especialmente no tocante à contenção de gastos, ao aproveitamento de centros esportivos existentes e do recurso mais em conta de instalações temporárias.

 

A Olimpíada do Rio, em 2016, por sua vez, carrega um marco que vai passar para a história dos Jogos, o último daqueles com características do gigantismo. É o fim de uma era. Os limites de participação de atletas serão mantidos, ou seja, 10.500 para os eventos de Verão e 2.900 para os de Inverno.

 

A estimativa orçamentária dos Jogos do ano que vem gira em torno de R$ 38 bilhões, porém, deve aumentar. O canteiro de obras é amplo e tem o desafio de prazos a serem cumpridos, sem chance de prorrogação. A Olimpíada de Inverno, em Sochi, na Rússia, ano passado, consumiu nada menos do que US$ 51 bilhões.

 

Quais países suportariam escaladas nesse ritmo? Depois do Rio, o eixo dos grandes eventos olímpicos se desloca para a Ásia, com os Jogos de Verão em Tóquio-2020, os de Inverno em Pyeogchang-2018, na Coréia do Sul, e Pequim ou Almaty, em 2022.

 

A Agenda 2020 contempla outras recomendações curiosas. Uma delas diz que o COI colocará à disposição de empresas internacionais de auditoria suas contas e despesas para serem analisadas e avaliadas, algo que nem é obrigatório, segundo a entidade.

 

Um gesto aparentemente saudável, que a entidade movimenta cifras altíssimas. Direitos de TV são um exemplo. Para quatro Olimpíadas, até os Jogos de 2020, o COI fechou com a NBC, dos EUA, contratos no total de US$ 4,4 bilhões, valor que quase dobrou para o período de 2021 a 2032.

 

Outra recomendação diz respeito à idade limite de 70 anos para que uma pessoa seja integrante do COI. Depois ela poderá continuar como membro por mais quatro anos, embora tais nomeações deverão ser limitadas.

 

O mandato do presidente é de oito anos, com possibilidade de mais quatro. Mas isso não representa uma garantia de alternância de poder porque um grupo bem articulado pode controlar a instituição.

 

O esporte conquistou tamanho espaço no mundo nos últimos tempos que a Organização das Nações Unidas reconheceu a sua autonomia em resolução adotada por consenso em novembro passado.

 

O efeito prático da medida é que a ONU passa a garantir aos comitês olímpicos nacionais autonomia na relação com os governos locais. Busca incentivar a neutralidade política e reduzir discriminações de qualquer tipo e boicotes em competições.

 

Aponta ainda o esporte como um meio de promover a educação, a saúde, o desenvolvimento e a paz. Coisas sobre as quais o episódio da Fifa foi um exemplo às avessas, com bandidos de um lado e mocinhos do outro, como no cinema. Fantasia ou novos tempos?

 

A soberba das entidades internacionais de comando dos esportes sempre prevalece e sobrevive no tempo. São organizações articuladas, poderosas e influentes. Por isso precisam ser fiscalizadas permanentemente para fins de um mínimo controle e inibição de desmandos.