Editorial: O segundo Obama
Barack Hussein Obama, 44º presidente dos Estados Unidos, inicia o segundo mandato entre o desejo de tornar-se um dos grandes líderes da história de seu país, de um lado, e os meios limitados para atingir esse objetivo, do outro.
A lista de tarefas a que se propõe o democrata ao longo dos próximos quatro anos não é modesta. Favorecer a retomada da economia após cinco anos de crise mundial; encaminhar a dívida e o deficit públicos para o equilíbrio; tornar menos hostis as leis de imigração; reestruturar a política de convívio e contenção em torno da China; influenciar na estabilização do Oriente Médio em transe.
Não bastassem aspirações tão ambiciosas, o massacre de crianças de dezembro no Estado de Connecticut, na costa atlântica, recolocou o tema do controle de armas na agenda presidencial. O objetivo de restringir o acesso de cidadãos a armas capazes de promover matanças desperta um embate latente na sociedade norte-americana.
O direito de portar armas, emenda inserida na Constituição em 1791, é de pronto invocado por grupos conservadores radicais, contrários ao aumento das restrições. Deslocado do contexto --o propósito no tardio século 18 era inibir tiranias, conferindo à comunidade o poder de formar milícias--, o princípio constitucional torna-se emblema de certa direita militante.
Essa corrente promove, curiosamente, uma nova mitificação do passado do país. Nessa reconfiguração, a sabotagem de um carregamento de chá promovida por colonos rebeldes em Boston, em 1773, por vezes ganha mais relevo que a própria Declaração de Independência, três anos depois.
A resistência de facções estridentes, contudo, não explica suficientemente nem determina a adesão de parcelas expressivas dos eleitores, na média mais moderadas, às fileiras do conservadorismo. O maior divisor de águas a mobilizar as massas é o debate em torno da extensão dos poderes do governo sobre a vida e o bolso dos cidadãos.
Esse é o combustível mais vigoroso da oposição doméstica aos planos de Barack Obama. A maioria republicana na Câmara dos Representantes propugna pela redução da dívida e do deficit público, que explodiram como custo do combate à crise. Resiste também às tentativas de elevar impostos ou de restringir, como no caso das armas, o raio de ação individual.
Uma batalha crucial a esse respeito está em curso. Obama, cujo partido domina o Senado, precisa do apoio dos republicanos na Câmara para elevar o teto legal do endividamento público, hoje em US$ 16,4 trilhões (pouco mais que o PIB dos EUA). O dinheiro para pagar a fornecedores e credores do governo chegará ao fim, estima-se, em meados de fevereiro, se nada for feito.
Uma disputa em torno do mesmo tema, em 2011, derrubou a confiança na retomada econômica, nos EUA e no mundo, e provocou vasta turbulência financeira. Apesar disso, os republicanos tendem a repetir agora a tática de desgastar a Casa Branca e de arrancar concessões de Obama na negociação para evitar o que seria um calote da maior economia do planeta.
Se o legado de Obama depende de votações no Congresso --como é o caso das propostas para a política fiscal, as armas e a imigração--, então ele precisará mitigar a resistência republicana. Uma vitória do Partido Democrata nas eleições legislativas de 2014, que renovarão toda a Câmara e um terço do Senado, seria o meio mais efetivo de atingir o objetivo presidencial.
Mas talvez a herança percebida do presidente ao final de seus oito anos possa prescindir dos resultados, sempre imprevisíveis, de eleições e embates legislativos. Uma confluência de fatores pode favorecer, nos próximos anos, a retomada da economia, em bases mais seguras do que o ciclo anterior, movido a endividamento desatado.
Os EUA passam por uma mudança notável na produção doméstica de energia --gás e petróleo extraídos de rochas metamórficas com técnicas de mineração--, o que está baixando o custo de produzir no país. Começa a ganhar velocidade e escala um ciclo de repatriação da produção industrial, antes centrada na Ásia, para abastecer o mercado consumidor americano.
Dotados dos mais prolíficos centros tecnológicos do mundo, os EUA também vão beneficiar-se, paulatinamente, de uma vantagem demográfica. Já ostentam uma população de perfil mais jovem que a média dos países desenvolvidos --e caminham para suplantar a China nesse aspecto em menos de duas décadas. A potência ocidental terá, a crer nas previsões, menos dificuldades para angariar força de trabalho que a oriental.
Batalhas no Congresso costumam galvanizar a atenção da opinião pública. Mas o futuro de Barack Obama nos livros de história talvez dependa muito mais das ações de seu governo destinadas a acelerar --e a não atrapalhar-- a transição econômica em marcha.