EUA e a década perdida japonesa: o perigo de cortar o remédio fiscal
Patrícia Campos Mello
24/06/2011
Republicanos e democratas estão em plena
queda de braço por causa do enorme
deficit do orçamento americano,
atualmente em US$ 1,6 trilhão.
O secretário
do Tesouro, Tim Geithner advertiu
que os Estados
Unidos podem ser obrigados a dar calote em algumas
de suas obrigações se os republicanos não concordarem em elevar o teto
do endividamento dos EUA (atualmente em US$ 14,3 tri) até 2 de agosto.
Os republicanos,
por sua vez,
não se mostram dispostos a fazer concessões. Para aprovar a elevação do endividamento,
eles exigem profundos cortes de gastos e colocar o deficit em trajetória descendente.
Não admitem elevar impostos para aumentar a receita do governo.
"Nós
já identificamos trilhões em possíveis
cortes de gastos", disse Eric Cantor, líder da maioria republicana na Câmara, ao
anunciar que estava se afastando das negociações do orçamento. "Os democratas continuam a insistir
que qualquer acordo precisa incluir elevação de impostos e não há apoio para
isso entre os republicanos."
Democratas,
em contrapartida, se opõem a cortes drásticos nos gastos
do governo agora.
Ele propõem planos
para reduzir o deficit no médio prazo, mas,
no curto prazo, a manutenção do estímulo fiscal.
Segundo eles, cortar gastos agora vai abortar a recuperação americana, e os EUA terão uma
recessão "double dip".
Na semana
passada, conversei com
Richard Koo, economista-chefe
da Nomura Research Institute, o braço de pesquisas da corretora Nomura. Koo é considerado o maior especialista do mundo nas chamadas
recessões "de balanço",
em que é necessário haver um 'desendividamento' de consumidores
e empresas.
Para Koo,
os Estados Unidos, da mesma forma que o Japão nos
anos 90, estão sofrendo de uma recessão de desequilíbrio de
"balanço". Esse tipo de recessão é rara, acontece apenas a cada 70 anos. Decorre do estouro de um bolha de ativos (imobiliária, no caso dos EUA). Depois do estouro dessa bolha, o setor privado está
querendo se livrar das dívidas que
acumulou durante o período de euforia. Por isso, reduzir
juros não adianta, porque consumidores não querem tomar empréstimos,
eles querem pagar os que
já têm (vide armadilha de liquidez do Japão da década perdida). Dado que a política monetária é pouco eficiente, é necessário o governo entrar no jogo, substituindo a demanda do setor privado, ainda não recuperada,
com programas de estímulo
fiscal.
É isso
que os EUA
vêm fazendo. Desde que o presidente
Barack Obama assumiu, o governo
injetou na economia US$ 1,2 trilhão em estímulos
fiscais. Além disso, na política monetária,
o Fed (o BC americano) cortou
as taxas de juros para zero e, por meio dos programas de afrouxamento quantitativo (QE1 e
QE2), injetou US$ 2,3 trilhões na economia
ao comprar títulos.
O grande
perigo, adverte Koo, é suspender a medicação de
forma precoce. Os republicanos
e ortodoxos estão em campanha aberta
para cortar os gastos do governo
agora.
Os Estados
Unidos correm o risco de repetir os erros do Japão
e mergulhar em uma década perdida,
como a economia
japonesa nos anos 90, alerta Koo.
"O que
precisamos agora é uma continuação de programas de estímulo fiscal, em que o governo toma
emprestado e gasta em obras, por
exemplo, para substituir a demanda que o setor privado
não está originando", diz Koo, que vem
ao Brasil na semana que
vem para fazer uma palestra
sobre o que os EUA podem
aprender com a recessão japonesa dos anos 90.
"Vai
ser muito difícil convencer os republicanos
que o governo precisa continuar gastando nos programas
de estímulo fiscal, porque eles querem começar
a cortar despesas e reduzir já o deficit. Mas se os ortodoxos
conseguirem acabar com os estímulos fiscais
agora, enquanto o setor privado ainda está
se desendividando, a economia
volta a desacelerar."
Para os
japoneses, lembra Koo, foram 15 anos
até a saída da "recessão de balanço" nos anos 90, porque
eles "retiravam de
forma prematura o remédio necessário."
Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve
sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde
cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Tem mestrado em Economia
e Jornalismo pela New York
University. É autora dos livros
"O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia -
da Miséria à Potência"
(Planeta, 2008).