A morte não
mata o discurso
Clóvis Rossi
02/05/2011 - 13h24
Interrompo por um dia
as férias porque é inescapável falar da morte de Bin Laden. Da morte, nem tanto, que
tudo ou quase
tudo já foi
dito, mas do "day
after" ou dos muitos
"days after".
Minha sensação inicial é igual à expressada por Ghassan Katib, porta-voz da Autoridade Palestina: "Livrar-se de Bin Laden é bom para a causa da paz mundial
mas o que de fato conta é superar
o discurso e os métodos violentos que foram criados
e encorajados por Bin Laden
e outros no mundo".
É óbvio
que matar Bin Laden não mata nem
o discurso nem o método, até porque a Al Qaeda, com o
tempo, deixou de ser uma hierarquia altamente centralizada para se transformar em uma espécie de franquia de laços mais ou menos
frouxos entre cada uma das,
digamos, filiais.
Basta lembrar a lista, incompleta, de organizações que compartilham métodos e discurso fundamentalistas, compilada pelo Council on Foreign
Relations: Jihad Islâmica Egípcia,
Grupo Combatente Islâmico Líbio, Exército Islâmico de Aden (Iêmen), Jamaat al Tawhid wal Jihad (Iraque), Lashkar--Taiba e Jaish-e-Muhammad (Cachemira), Movimento Islâmico do Uzbequistão, Al Qaeda do Maghreb Islâmico e Grupo Armado Islâmico (Argélia), Grupo Abu Sayya (Malásia e Filipinas), e Jemaah Islamiya (sudeste asiático).
É ilusório
supor que esses grupos deporão
as armas porque mataram alguém que podia ter grande
valor simbólico mas
não era mais o principal executivo da franquia.
É ilustrativo
lembrar que dois dos líderes da Al Qaeda no Iraque foram mortos,
um em 2006, e o outro em 2009, sem
que se possa dizer que o Iraque
é um paraíso de paz.
Não
é apenas no mundo árabe-muçulmano que há células terroristas,
lembra para a BBC Ahmed
Rashid, um dos grandes especialistas
no assunto.
"Hoje", diz ele,
"cada país europeu tem uma célula da Al Qaeda", até porque "centenas de muçulmanos com passaporte europeu viajaram às áreas tribais
do Paquistão para treinamento e retornaram à Europa".
Voltando pois ao
ponto central levantado por Katib, o porta-voz
palestino: como
é que se desarma o discurso violento?
Um bom
primeiro passo seria devolver ao mundo árabe
condições dignas de vida, o que começa
a ser feito pelos próprios árabes em alguns países
como Egito
e Tunísia. Pondo esperança no horizonte,
corta-se o combustível para o fanatismo.
Mas para a geração
já seduzida pelo discurso e pelo método violentos,
não me parece haver jeito. Fanatismo não
tem cura.