Quando o vazador é vazado
Clóvis Rossi
21/12/2010
Eis que Julian Assange, o criador do sítio WikiLeaks, especialista em vazamentos, foi vítima de um vazamento: o jornal "The Guardian", uma
espécie de sócio preferencial de WikiLeaks, publica
os depoimentos à polícia sueca das duas moças que
acusaram Assange de abuso
sexual.
É um vazamento
que se parece aos que tornaram
Assange uma celebridade instantânea: apenas detalhes de uma história que, pouco
mais ou menos,
já se sabia.
O que
o vazamento contra o vazador
traça é o retrato de um predador sexual, que força parceiras que queriam, de fato, manter relações
com ele a fazê-lo sem preservativo.
A reação
do próprio Assange reforça
a imagem de machão empedernido: reclamou que não era assunto
para ser levado à polícia. Era, sim, a menos que se considere
que as mulheres estão no mundo para servir apetites
masculinos que não as respeitem.
Quase tão grave quanto essa visão
machista é o fato de
Assange festejar a propaganda que
dá ao
seu trabalho de vazador profissional esse outro tipo
de vazamento.
Posso estar enganado
mas não consigo
fugir à sensação de se trata de um cidadão muito mais interessado
em auto-promoção do que na transparência das atividades/declarações
de autoridades.
Mas há também no episódio
uma discussão que já surgira
quando vazaram os papéis do Departamento
de Estado: é lícito para jornais divulgarem tais vazamentos? Minha resposta, já dada em texto
para a Folha papel, é sim, absolutamente sim, desde que
os papéis tenham interesse público, como
é o caso dos vazamentos do
WikiLeaks.
A questão
seguinte é óbvia: tem igualmente interesse público o depoimento das moças que se dizem
molestadas por Assange?
Respondo só por
mim: não me interessa. É uma questão pessoal, não pública. Claro que deve ser investigada
exaustivamente, mas no âmbito adequado. Temo, no entanto, que minha opinião
seja perdidamente solitária.