WikiLeaks, muita luz, pouca novidade

 

29/11/2010

 

A divulgação dos documentos sigilosos da diplomacia norte-americana, pelo site Wikileaks, imensamente amplificada pelo consórcio com algumas das grandes grifes do jornalismo impresso global, é todo um espetáculo jornalístico.

 

Como diz o espanhol "El País", um dos integrantes do consórcio, "os papéis secretos e confidenciais permitem aproximar o olho do buraco da fechadura e descobrir, pela primeira vez, as manobras entre bastidores" da diplomacia norte-americana.

 

Em outras palavras, jogam luz nas sombras, e a luz é sempre um ótimo desinfetante. Pena que não haja, a rigor, nenhuma novidade, pelo menos no que foi divulgado até agora pelos jornais/revista (a alemã "Der Spiegel") envolvidos na operação.

 

Segundo o resumo feito pelo próprio criador do site, Julian Assange, em texto especial para a Folha, "os documentos mostram infiltrações políticas dos Estados Unidos em quase todos os países, mesmo naqueles considerados 'neutros', como a Suécia e a Suíça. As embaixadas observam de perto a mídia local, o serviço de inteligência, a indústria de armas e de petróleo e fazem forte lobby para todo tipo de empresa norte-americana".

 

Alguém tinha alguma dúvida de que é assim que funcionam as embaixadas dos Estados Unidos? Aliás, não apenas dos Estados Unidos. Todas as potências globais ou regionais atuam da mesmíssima maneira, Brasil inclusive. Claro que a escala pode ser diferente porque os Estados Unidos têm uma presença global.

 

Ou você acredita que a embaixada do Brasil em Buenos Aires não envia telegramas (sei que não é mais tecnicamente um telegrama, mas continua sendo chamado assim) sobre a vida política argentina, com juízos de valor sobre personalidades relevantes do país?

 

A menos que as publicações do consórcios tenham cometido o crime contra o jornalismo de deixar o principal para amanhã ou depois, o divulgado até agora a sensação de que a diplomacia dos Estados Unidos é pautada pela mídia, não o contrário.

 

Exemplo: a curiosidade em torno de uma suposta "agenda oculta" islamita do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan. Toda vez que estudo a Turquia essa expressão aparece em análises de especialistas ou editoriais da mídia turca. A suspeita, portanto, é pública, dispensa "aproximar o olho do buraco da fechadura".

 

Mais: nem a embaixada norte-americana nem os especialistas que consulto conseguiram descobrir nada além de "evidências circunstanciais" da tal "agenda oculta".

 

Da mesma forma, não é preciso documento confidencial algum para saber que o empenho primordial da diplomacia norte-americana é evitar que o Irã obtenha a bomba atômica.

 

Claro que, nesse capítulo, choca ver a maneira crua como dirigentes de países árabes se referem à necessidade de conter o Irã, até pela força. O rei Abdallah, da Arábia Saudita, chega a pregar cortar "a cabeça da serpente".

 

Deve ser a esse tipo de revelação que "El País" se refere, porque a antipatia de uma parte substancial do mundo árabe em relação ao Irã frequenta anos as páginas de jornais. Vale pelo carimbo oficial que ao que, até agora, eram textos jornalísticos.

Tampouco é segredo que o premiê italiano Silvio Berlusconi "festas selvagens", como diz um dos vazamentos. Ou que o governo Lula está "amontoado de militantes esquerdistas", como afirma telegrama do então embaixador Clifford Sobel, recuperado por Fernando Rodrigues, da "Folha", em mais um belo trabalho jornalístico.

 

Tirando o "amontoado", que é depreciativo, o governo Lula se orgulha de ter militantes esquerdistas em seu seio, assim como os militantes esquerdistas de orgulham de ali estar. Nada que precise de um embaixador estrangeiro para descobrir.

 

"El País", em todo o caso, insinua que , sim, alguma novidade pelo menos relativa à política espanhola. Diz que a reprodução de conversações com diplomatas norte-americanos deixa interlocutores espanhóis "em zonas eticamente fronteiriças ou os comprometem ante a opinião pública". Seriam, emenda, "informes demolidores sobre altas personalidades do Estado".

 

Mas não os revelou na edição desta segunda-feira, embora tenha dedicado quase toda a capa mais 13 páginas internas aos papéis de WikiLeaks.

 

Enfim, a falta, até agora, de novidades substantivas não tira valor ao vazamento, exatamente por jogar luz em gestos e palavras que ficavam na obscuridade. O problema agora é que ninguém mais vai querer conversar com diplomatas norte-americanos.