Brasil e EUA precisam discutir a relação
20/05/2010
O clandestino
programa nuclear iraniano tornou-se cavalo de batalha do Brasil na arena internacional.
A questão nos projeta
no mundo, não há dúvida. E essa projeção é benéfica ao país, cuja
aspiração de mais voz no cenário global não é só justa
como também agregadora de valor. Ela fortalece
a marca Brasil.
Mas será que a defesa
do Irã é a melhor forma de fazê-lo? Os lados negativos desse alinhamento com Teerã são grandes:
1) Nossa
diplomacia corre grande risco de estar sendo usada
pelo regime islamo-fascista,
que na questão
nuclear tem um padrão recorrente
de dissimulação e manipulação.
Um acordo parecido
com o anunciado por Lula em Teerã já
havia sido aceito pelo Irã
nas negociações com as grandes potências, para depois ser descartado. Quase ninguém duvida
de que Teerã quer a bomba, e o Brasil sempre foi
pacifista. Mudamos?
2) Por
causa da defesa das posições de um regime despótico,
cruel na perseguição de minorias e opositores, compramos briga com um dos nossos parceiros internacionais mais importantes, os EUA, ainda, de longe, a maior potência do planeta. E também com outros aliados tradicionais e importantes do Brasil, como França e Alemanha,
bastante engajados na questão iraniana.
A racionalidade apresentada pelo governo Lula na questão iraniana
se desmancha no ar. As autoridades brasileiras inclusive se negam a admitir o óbvio:
que o programa iraniano é clandestino e que o país não
tem credibilidade justamente
porque sempre mentiu sobre suas
ambições nucleares.
Essa negação da realidade sugere mais do que ingenuidade
por parte de nossa diplomacia, mas uma necessidade incontrolável de autoafirmação e
de confronto em relação aos nossos
amigos americanos, um terceiro-mundismo
redivivo que não tem mais lugar
no século 21.
EUA e Brasil são os dois
gigantes da América, com afinidades e convergências potencialmente muito maiores do que as divergências.
A eleição de Barack Obama criou uma enorme
oportunidade de levar as relações bilaterais a um novo estágio, condizente com a emergência do Brasil potência: de respeito mútuo e de agenda comum em torno da democracia,
da defesa dos direitos humanos e da estabilidade econômica.
Mas em pouco tempo as relações azedaram, não só por
culpa dos ímpetos juvenis
de autoafirmação da emergente
potência brasileira, mas também pela
resistente arrogância do império americano, tanto na área
comercial quanto política.
Ganharíamos muito se essa relação com os EUA amadurecesse
e se transformasse, adaptando-se
às novas realidades dos dois países. Por mais que neguem, conjuramos de valores comuns importantes com os EUA. Juntos, os dois países
podem formar uma dupla bastante
construtiva neste novo mundo que surge.
Seria muito melhor
ver Lula de mãos dadas com Obama do que com Ahmedinejad.
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro
(2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países
como Iraque, Israel e
Venezuela, entre outros. Dirigiu dois
curta-metragens, "A Árvore"
(1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.
* E-mail: smalberg@uol.com.br