Parem as máquinas, Obama ressuscitou
Clóvis
Rossi
PARIS - Já
escrevi algumas vezes, na
Folha, sobre a aceleração
dos tempos que é uma das grandes características da era contemporânea.
Mas começo, sinceramente,
a ficar em dúvida se os tempos de fato se aceleraram ou se o jornalismo é que está adotando
o modelo "fast food", rápido
para fabricar e para comer.
O caso
mais recente se dá em torno
de Barack Obama. Há apenas
um ano e dois meses, tomava posse como uma espécie
de novo Messias, o homem que viera para
fazer a tal de
"change", a mudança, fosse lá o que isso
significasse.
Começou, de fato, com todo o gás, lançando
iniciativas aqui e ali, internas
e externas. Não demorou muito e seu prestígio começou
a cair, cair, cair, até que,
no início do ano, perdeu a eleição para preencher a vaga aberta pela
morte de Ted Kennedy como senador por Massachusets.
Pronto, foi o suficiente para que Obama fosse
dado como morto e enterrado, para que pipocassem movimentos de extrema-direita, de
uma reacionarismo feroz, como o "Tea
Party".
Não se passaram nem mais dois
meses e eis que a Câmara de Representantes aprova o plano de saúde
de Obama. Não o original, é bom
que se diga, mas o possível,
o melhor possível nas circunstâncias.
Pronto,
eis que Obama ressuscita, na
análise mais ou menos consensual.
Ou seja, em
um ano e dois meses, o presidente dos Estados Unidos passou da glória
ao túmulo e dele diretamente para o céu.
Parece muito pouco
tempo para tanto movimento. O mais razoável é acreditar que nem Obama havia
morrido nem, consequentemente, ressuscitou
agora.
Afinal, a maioria democrata continuava existindo em ambas
as casas do Congresso. Um senador a mais nem era tão fundamental assim, se se levar
em conta o resultado da votação
na Câmara:
34 democratas votaram
contra o plano de saúde afinal aprovado. É razoável supor que, com 60 senadores, como era a bancada
democrata antes da morte de Ted Kennedy, ou com 59 como ficou depois
da derrota em Massachusets, haveria defecções como houve na
Câmara. Mas a maioria ganha, como ganhou.
E a vitória
não significa que não haverá
mais "tea parties" nem
que as pesquisas voltarão a ser favoráveis ao presidente.
É bom
não esquecer, aliás, que ter
perdido prestígio segundo as pesquisas não muda o fato
de que o que conta é o voto popular, não a pesquisa.
Vale para
Obama o raciocínio que
François Fillon, o primeiro-ministro
francês, fez sobre o resultado das eleições regionais de domingo aqui na França,
um desastre para o governo de Nicolas Sarkozy (a oposição
ganhou em 21 das 22 regiões em que
se divide o país): ele reconheceu a derrota mas lembrou que
o governo se pauta pelo resultado nacional, o que elegeu Sarkozy faz quase três anos,
e não por números regionais.
Não estou querendo,
com essas observações, nem minimizar o impacto favorável a Obama da votação de domingo
nem o impacto desfavorável a Sarkozy dos resultados
do mesmo dia. Só acho que é prudente
pôr as coisas em perspectiva: foi uma vitória
histórica, sim, mas não quer
dizer que, só por ela,
Obama vai ganhar também a guerra no Afeganistão, arrancar sanções ao Irã
ou obter a paz no Oriente Médio.
Tomara até que
consiga tudo isso, mas
sejamos razoáveis: mortes e renascimentos de presidentes raramente ocorrem na velocidade
com que se tratou o caso Obama.