O (bom ) teatro que
não temos
Clóvis Rossi
02/2010
Escrevo quando ainda está em andamento
o debate sobre o plano de saúde que é o grande
tema nos Estados Unidos, pelo menos em
matéria de política interna.
O presidente
Barack Obama chamou líderes
de seu próprio partido, o Democrata, e dirigentes da oposição
republicana, para uma discussão pública,
na medida em que está
sendo transmitida pela televisão.
Vai
ser difícil encontrar outro mecanismo capaz de dar transparência
e, pelo menos em tese, qualidade
ao debate.
É óbvio que vai haver muito
teatro, muito jogo para a plateia,
mas ainda
assim será a ocasião adequada para explicitar o que Obama chamou, ao abrir o programa,
de "uma batalha muito ideológica, muito partidarizada", por isso mesmo
capaz de "embaralhar o
sentido comum".
Nem
acho que uma discussão ideológica
ou partidarizada seja necessariamente negativa. No caso específico desse debate televisionado, é bom que o público
saiba claramente que ideologia está
(ou não) por trás das posições
republicanas e democratas. E, a partir dessa
definição, tome partido pelo lado com o qual se identifica ou com os pontos
de cada ideologia/partido
com os quais está de acordo. Não há nenhuma
razão para supor que o público
aceita monoliticamente o conjunto de posições de um partido ou do outro.
Pelo que deu
para ver até a hora de escrever,
o ponto central de divergência
é realmente ideológico e
vale para tudo, não apenas para
o pacote de saúde: o papel do Estado. O senador republicano Jon Kyl deixou claro que,
na sua opinião,
os planos dos democratas para reformular o sistema de saúde "dariam a Washington excessivo controle sobre ele", entendendo-se Washington como
"governo federal".
Que
os americanos decidam se é assim mesmo ou não. Para os brasileiros,
resta a inveja
de ver em ação um modelo de prestação de contas inexistente por aqui. Algum partido,
alguma personalidade, por acaso sugeriu,
ao menos, que houvesse um debate televisionado entre os cardeais do governo e da oposição sobre,
por exemplo, o Plano Nacional de Direitos Humanos, a mais recente polêmica de porte?
No debate norte-americano,
o presidente Obama ouve, toma notas, presta
atenção. Algum presidente brasileiro, no passado, no presente ou no futuro (levando
em conta os presumíveis candidatos) teria a humildade de pelo menos fingir que
pode estar enganado e, por isso mesmo, toma
nota do que dizem os outros sobre
seus planos e programas? E permite que os opositores
digam, ao vivo e em cores, que o presidente está errado?