No Irã, ponto para Obama, e para Lula

 

Clóvis Rossi

 

22/10/2009

 

Recupero o essencial de um diálogo entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Barack Obama sobre o Irã, travado em Pittsburgh, à margem da recente cúpula do G20, conforme reprodução do próprio Lula. para acreditar na versão do presidente brasileiro a partir da versão do porta-voz de Obama, Robert Gibbs, para conversa anterior entre os dois presidentes sobre o mesmo assunto, esta na Itália.

 

Vamos , então. Segundo Lula, Obama aprovou a intenção de Lula de manter diálogo com o Irã (em torno da questão nuclear), concordando em que nem todo o mundo deveria colocar o regime dos aiatolás contra a parede, porque acabaria sendo contraproducente.

 

Detalhe: o diálogo deu-se no mesmo dia em que Obama, ao lado do presidente Nicolas Sarkozy, da França, e do primeiro-ministro Gordon Brown, do Reino Unido, fazia uma dura crítica ao Irã, acompanhada de ameaças, pelo fato de ter revelado naquele momento a existência de uma usina nuclear nas imediações da cidade de Qom, considerada o Vaticano do xiismo.

 

Bem feitas as contas, Lula parece estar mais certo do que os "duros", a julgar pelo acordo entre o Irã e as grandes potências nucleares pelo qual boa parte do urânio iraniano será enriquecido na Rússia e talvez na França, o que reduz a possibilidade/velocidade da fabricação da bomba.

 

É claro que sempre cabe qualificar o acordo: primeiro porque ele terá que ser submetido às supremas autoridades iranianas. Segundo, porque o urânio restante sempre pode ser desviado para enriquecimento para fins militares.

 

Feitas essas ressalvas, anote agora o comentário para o jornal britânico "Guardian" de Abbas Barzegar, candidato a PhD em estudos religiosos pela Emory University, de Atlanta, Geórgia.

 

"O astuto Juan Cole apontou [depois do início das conversas em Genebra que acabaram no pré-acordo agora anunciado] que Obama conseguiu mais do Irã em sete horas e meia do que Cheney [Dick Cheney, vice-presidente de George Walker Bush, duro entre os duros] em sete anos e meio". Juan Cole vem a ser presidente do Global Americana Institute, um centro de estudos obviamente norte-americana.

 

A partir dessa interessante comparação, Barzegar acrescenta que se trata de "uma demonstração de que o engajamento diplomático quase sempre funciona".

 

Não é, na essência, o mesmo que Lula disse a Obama e que Obama comprou?

 

Mas é bom notar também que a avaliação sobre o pré-acordo entre os especialistas está longe de ser linear ou consensual. Depende muito de quem o analisa.

 

Do lado israelense, por exemplo, Yossi Melman escreve no "Haaretz", talvez o melhor jornal israelense, que, confirmado o acordo, "ele remove qualquer justificativa para um ataque aos locais nucleares iranianos".

 

A hipótese de um ataque por parte de Israel era o cenário de pesadelo para todo o mundo - menos, claro, para os próprios israelenses, para os quais o pesadelo é a aquisição da bomba pelo Irã.

 

De todo modo, convém notar que diferentes círculos diplomáticos dizem que o problema com o Irã não é a confirmação ou não do pré-acordo mas a confiabilidade do regime dos aiatolás.

 

É uma opinião muito parecida com a que Richard Haass, do Council on Foreign Relations, deu ao "Financial Times": segundo ele, é o caráter político do regime iraniano, não apenas a sua capacitação para fabricar a bomba, que deveria definir a resposta da comunidade internacional às ambições nucleares do país.

 

Tudo somado, parece claro que o "engajamento", princípio essencial da política externa de Obama, marcou um belo ponto. Mas o jogo ainda não está inteiramente jogado.

 

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

 

E-mail: crossi@uol.com.br