Drogas, blablablá e inação

 

19/10/2009

 

Quase ao final de um longo discurso carregado de auto-louvação, no encerramento do seminário empresarial Brasil-Colômbia, realizado ontem na Fiesp, o presidente colombiano Álvaro Uribe acabou introduzindo o tema da legalização das drogas, mas para condená-la.

 

"A permissividade com o consumo equivale a uma legalização pela porta dos fundos", disse Uribe.

 

Não é uma condenação explícita da legalização mas é a reiteração da antiga posição colombiana, compartilhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, qual seja: enquanto houver consumo, haverá produção e, necessariamente, tráfico de drogas. Consumo, desnecessário dizer, concentrado nos Estados Unidos e na Europa mas que se espalha de forma incontrolável pelo Brasil e pelo resto da América Latina, antes apenas centros produtores e/ou de trânsito.

 

Posto de outra forma, Uribe está reafirmando a defesa de uma estratégia essencialmente policial-militar, por mais que grande parte dos especialistas esse enfoque como ultrapassado (ver, a respeito, as colunas dos dias 7 de setembro, "As drogas ganharam a guerra. E daí?", e do dia 8, "O leitor e as drogas", nos links abaixo).

 

Que a guerra está sendo perdida prova nota emitida ontem pela Casa Branca, para anunciar a manutenção da "emergência nacional" contra as drogas, decretada faz 14 anos (mais exatamente, no dia 21 de outubro de 1995).

 

A manutenção é justificada pelo fato de que a atividade dos traficantes "centrada na Colômbia continua a ameaçar a segurança nacional, a política externo e a economia dos Estados Unidos, e a causar um nível extremo de violência, corrupção e danos nos Estados Unidos e no exterior".

 

A "emergência" expiraria este mês de outubro.

 

Se forem sinceros, nem o presidente Uribe nem o presidente Lula negarão que os problemas apontados ontem por seu colega Barack Obama são ainda mais agudos no Brasil e na Colômbia, países institucionalmente bem mais frágeis. Prova-o o conflito que levou à derrubada de um helicóptero no Rio de Janeiro no fim da semana passada, o que coincidiu domingo com o assassinato pelas Farc (o grupo narco-terrorista colombiano) de dois vereadores de uma cidade próxima a Bogotá.

 

O pior é que Lula insiste na ideia de que a Unasul, o conglomerado dos países sul-americanos, deve cuidar do combate às drogas por meio de um mecanismo próprio, autóctone, ou seja, que dispense os Estados Unidos. Nada contra, mas é fundamental que se passe das ideias à ação, o que não está acontecendo.

 

Prova-o, se necessário fosse, todo o ruído em torno das bases colombianas que soldados norte-americanos poderão utilizar. A Unasul fez duas ou três reuniões para discutir o assunto, e não chegou a lugar algum.

 

O que significa que as desconfianças entre, por exemplo, Colômbia e Venezuela continuam do mesmo tamanho. Por extensão, as chances de se criar um mecanismo de defesa nem que seja limitado ao combate às drogas tendem a zero. Tudo somado, tem-se que nem se pensa em legalização nem em atacar frontalmente o problema.

         

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

 

E-mail: crossi@uol.com.br