Lockerbie: um epitáfio
LISBOA - É sempre comovente ver um terrorista regressar a casa. Uns dias
atrás, pela BBC, assisti ao espetáculo:
Abdel Basset Ali Al-Megrahi foi
saudado como um herói pela população
enlouquecida de Trípoli,
capital da Líbia. Entendo o entusiasmo. Al-Megrahi
foi condenado a prisão perpétua pelo envolvimento no atentado terrorista de Lockerbie
(um avião, 270 vítimas).
Julgamento internacionalmente
reconhecido como
justo e conclusivo. Al-Megrahi cumpriu oito anos de pena.
Agora, por motivos "compassivos", o governo escocês, que é soberano em matéria
judicial, resolveu libertá-lo. O terrorista está doente, com câncer terminal, disse o ministro da Justiça.
Na melhor das hipóteses,
tem três meses de vida. Sejamos humanos.
Eu
sou humano. Mas
minha humanidade, normalmente, está com as vítimas, não com os carrascos. Deformação
de caráter, admito, que me transforma num verdadeiro Torquemada: ao ver Al-Megrahi recebido como
um herói na Líbia, imaginei de imediato o que estariam a sentir as 270 famílias que viram
os seus familiares
pulverizados no ar, em dezembro de 1988. Sim, sou um monstro.
Verdade que não estou sozinho. O governo de Gordon Brown condenou a libertação. Santo Obama também, e com linguagem particularmente dura. E começaram as especulações sobre os verdadeiros motivos do gesto. Terá sido por
razões "compassivas",
como disse
o ministro Kenny MacAskill?
Ou, horror
dos horrores, a libertação
de Al-Megrahi faz parte de
um negócio vantajoso para a Líbia e para o Reino Unido?
O próprio
Gadaffi (filho) confirmou a suspeita, ao afirmar expressamente
que a libertação de Al-Megrahi libertava também o petróleo e o gás líbios para
empresas ocidentais, a começar pelas britânicas,
que já esfregam
as mãos de contentamento. Verdade? Mentira? E isso interessa?
Obviamente, não interessa:
criada a suspeita, reforçada pela implacável imprensa britânica que tem revelado os encontros
"comerciais" de Blair com Gadaffi (pai) na
última década, a libertação de al-Megrahi tem importância simbólica. Os soldados britânicos podem lutar e morrer
nas areias do Oriente Médio. Mas a libertação de um só criminoso será
vista pelos inimigos do Ocidente, não como um gesto "humano" e "compassivo";
mas como uma manifestação de cobiça, um ato de traição às vítimas
e uma postura de rendição perante os agressores. Eis a imagem
do nosso epitáfio.