A obamanização do mundo
João
Pereira Coutinho
15/06/2009
LISBOA - Estou cansado
da obamanização do mundo. Inventei agora a palavra. Vocês sabem o que
ela significa: a obamanização consiste
em substituir a realidade pela fantasia, esperando que nos
quatro cantos do globo surja sempre um candidato capaz de imitar a retórica bondosa e evangelista do original
Barack.
Aconteceu agora no Irã. Li os jornais disponíveis. Acompanhei as reportagens televisivas. O
tom era semelhante: pela primeira vez desde
1979, altura em que Khomeini deixou o seu exílio dourado
em Paris para regressar a Teerã, os iranianos iriam
escolher novo presidente. Pior: iriam escolher
um "moderado" (Mousavi) por
oposição a essa grotesca criatura
chamada Ahmadinejad.
A fantasia esquecia dois pormenores
básicos, quase dolorosos. Primeiro: o Irã não é uma democracia.
O Irã é uma
teocracia, o que significa que as decisões (iniciais e finais) pertencem ao Líder Supremo,
Khamenei.
É o Líder Supremo quem
escolhe os candidatos presidenciais. Em todas as eleições,
aparecem centenas ao cargo. Esse ano, foram 485
candidaturas. Quatro foram
selecionadas, depois de verificação apertada, ou seja, depois
de se verificarem os créditos revolucionários dos quatro candidatos, rigorosamente do sexo masculino e rigorosamente muçulmanos xiitas. Mas a influência
do Líder Supremo não termina aqui.
O Líder Supremo, independentemente do resultado da votação, escolhe
o presidente do Irã. Os iranianos que
foram às urnas são apenas
figurantes de um teatrinho sórdido.
Mas há mais. Nos
últimos dias,
surgiu igualmente a
fantasia de que Ahmadinejad poderia
ser derrotado por um "moderado". E quem
é o moderado? Precisamente:
Mir-Hossein Mousavi, um antigo primeiro-ministro
de Khomeini, responsável pela
execução maciça de opositores políticos na década
de 80 (20 mil? 30 mil?). Alguns jornalistas,
sem um pingo
de vergonha na cara, chegaram mesmo a acrescentar que Mousavi iria inaugurar um novo período de relações amigáveis com o Ocidente e, pasmem, Israel. Para os relapsos,
relembro que Mousavi esteve envolvido no atentado terrorista ao centro cultural judaico de Buenos Aires. Morreram 85 pessoas.
E agora? Agora, coisa
nenhuma. A vitória
de Ahmadinejad, seguramente forjada,
cumpriu na
perfeição o roteiro pré-definido pela teocracia iraniana. O que significa que,
depois dos Guardas Revolucionários fazerem o seu trabalho, prendendo
ou espancando os manifestantes, o Irã continuará o seu glorioso caminho
rumo à pobreza, à opressão das suas minorias e, claro, à bomba nuclear, para uso cirúrgico contra Israel. A obamanização do mundo é uma idéia
simpática. As idéias
simpáticas, pelos vistos, não chegam
a Teerã.
João Pereira Coutinho, 32, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve quinzenalmente,
às segundas-feiras, para a Folha Online.
E-mail:
jpcoutinho@folha.com.br
Site:
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