O maior espetáculo da Terra

 

10/01/2008

 

As eleições americanas começam eletrizantes. Depois de sete anos de George W. Bush, guerra ao terror e antiamericanismo global, os americanos mostram-se ansiosos por mudanças, garantidas pelo time de pré-candidatos tanto democrata quanto republicano.

 

Nenhum representa continuísmo. A visão que impulsionou a administração Bush pós-11 de Setembro de que os EUA são a potência incontestável, meritosa dessa posição, e devem exercer esse poder imperialmente para eliminar preventivamente possíveis ameaças ruiu junto com a ordem no Iraque.

 

O Iraque e a guerra ao terror, eixos da era Bush (junto com sua ação pró-business), não ocupam mais o centro das discussões eleitorais, voltadas para o interior do país, justamente falando em mudanças. Mesmo que o discurso soe menos verdadeiro na boca da senadora Hillary Clinton, representante do establishment democrata, é inegável que entre ela e Bush existem diferenças.

 

As duas primárias até aqui, em Iowa e New Hampshire, tiveram participação robusta da população. A disputa segue aberta e apertada tanto do lado democrata quanto do republicano. Entre os protagonistas, os democratas podem levar à Casa Branca a primeira mulher (Hillary) ou o primeiro afrodescendente (Barack Obama). No corner republicano, um esquisito ex-prisioneiro da Guerra do Vietnã (John McCain) e um controverso ex-prefeito de Nova York (Rudy Giuliani) colorem a peleja.

 

A diversão está garantida, mesmo se ainda não temos o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, no elenco principal. O orçamento é de superprodução. Hillary arrecadou até aqui mais de U$ 90 milhões. Obama, que eletriza os jovens, vem logo atrás, com US$ 80 milhões. Entre os republicanos, Mitt Romney lidera com US$ 62 milhões, seguido por Giuliani, com US$ 47 milhões.

 

Esse espetáculo multimilionário é acompanhada minuto a minuto pelos megasites e gigablogs de política e pelos cada vez mais histriônicos canais de notícias 24h. Os debates, sempre com a presença de todos os candidatos, mais interessantes vêm da parceria CNN-YouTube, com perguntas selecionadas entre os milhares de vídeos enviados pelos cidadanautas ao democrático site.

 

As primeiras primárias mostram comparecimento acima da média dos eleitores. E elas começam mesmo a ganhar tração depois da Super-Terça, em 5 de fevereiro, quando ocorrem em 22 Estados e se espalham pela América.

 

A democracia americana, pioneira e radical, retoma seu lustro, ofuscado por alguns abusos da administração Bush na sua luta difícil e assimétrica contra a bestialidade terrorista.

 

Alicerçada em princípios libertários e utilitaristas como o de que a liberdade individual pode ser restrita se a ação do indivíduo prejudicar outros indivíduos, o espetáculo da democracia americana, pronta a renovar-se, rivalizará com as Olimpíadas de Pequim como grande evento programado para 2008.

 

Entre a democracia que inventou a internet e Os Simpsons e a ditadura que fabrica de parafusos a superatletas, tendo a ficar com a primeira.

 

Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.
E-mail: smalberg@uol.com.br