O Estado de S.Paulo
20 Novembro 2014 | 02h 05
Na ânsia de mostrar que a diplomacia brasileira sob os governos petistas é independente, a presidente Dilma Rousseff está condenando o País à irrelevância no plano internacional. Sem demonstrar bom senso, guiando-se apenas por um antiamericanismo pueril, Dilma tem sido uma das poucas chefes de Estado, dentre os líderes das grandes economias do mundo, a salvar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, do isolamento a que ele mesmo se condenou em razão de seu comportamento hostil contra a Ucrânia.
Na última reunião do G-20, em Brisbane (Austrália), Dilma manteve esse lamentável comportamento, enquanto os dirigentes das grandes potências faziam questão de demonstrar sua desaprovação a Putin. Agindo dessa forma, ela pode agradar à claque terceiro-mundista que vibra sempre que alguém desafia os Estados Unidos e seus aliados ocidentais, mas esvazia o papel do Brasil no concerto internacional que se articula quando algum país põe a segurança global em risco, como faz a Rússia agora.
A crise na Ucrânia é um desses casos em que contemporizar é o mesmo que ser irresponsável. Desde fevereiro, quando caiu o presidente Viktor Yanukovich, um aliado de Moscou, o país tem experimentado uma espiral crescente de violência. A reação da Rússia foi anexar a península da Crimeia e armar separatistas do leste ucraniano com equipamentos militares - um dos quais teria sido o míssil que derrubou um avião de passageiros da Malaysia Airlines, deixando 298 mortos, em julho.
A Otan (aliança militar ocidental) informou que centenas de soldados russos já atravessaram a fronteira. O governo ucraniano pediu socorro à União Europeia diante da iminência de uma ofensiva militar da Rússia. O presidente americano, Barack Obama, disse que Moscou, ao ajudar os rebeldes, viola o acordo de cessar-fogo assinado há algumas semanas.
"Nós estamos firmes no propósito de defender os grandes princípios internacionais", disse Obama, ao final do encontro do G-20. "Um desses princípios é aquele segundo o qual não se pode invadir outros países nem financiar prepostos que prejudiquem o funcionamento do sistema democrático", declarou o presidente americano, dando o tom de censura à Rússia que carregou a atmosfera do G-20.
O gesto que melhor traduziu esse clima partiu do primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper. Ele estava conversando com outros líderes quando Putin se aproximou. Em respeito ao protocolo diplomático, Harper estendeu a mão para cumprimentar o presidente russo, mas disse: "Bem, acho que vou apertar sua mão, mas só tenho uma coisa a lhe dizer: você tem de sair da Ucrânia". Segundo um porta-voz russo, Putin respondeu que "isso é impossível", porque "nós não estamos lá". Pouco depois, ele abandonou o encontro do G-20 e retornou para a Rússia porque, segundo disse, precisava dormir para voltar a trabalhar na segunda-feira.
O cinismo do autocrata russo só não é maior do que a inabilidade de Dilma. Em nome de uma identidade com a Rússia que só existe no campo da fantasia diplomática que privilegia as relações com os países do "sul" - ela já chegou a dizer que a Rússia "geopoliticamente integra o sul do mundo" -, a presidente reafirmou seu alinhamento com o Kremlin, negando-se a se juntar aos Estados Unidos e à União Europeia em seu esforço para levar Putin a tirar as mãos da Ucrânia.
Em entrevista após uma reunião em Brisbane, Dilma, questionada sobre a posição de seu governo a respeito da crise ucraniana, respondeu que o Brasil evita "sistematicamente" se envolver "em assuntos internos" - como se a intervenção russa na Ucrânia fosse um problema apenas ucraniano.
Mais uma vez, Dilma converte a diplomacia em instrumento de política partidária, a serviço da ideologia retrógrada do PT e ao arrepio dos verdadeiros interesses do Estado. Há pouco tempo, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que Putin, com seus arroubos czaristas, parece viver "em outro mundo". O mesmo talvez se possa dizer de Dilma.