Novos ventos do mundo
07
de agosto de 2013
SERGIO
FAUSTO*
A
recuperação dos EUA e a desaceleração da China já produzem efeitos
sobre a América Latina. Embora não conheçamos
o impacto futuro desses processos, é certo que será
crescente nos próximos anos. Os novos ventos da
economia internacional são prejudiciais aos países exportadores
de commodities, os que mais se beneficiaram do acelerado crescimento chinês dos últimos dez anos. Entre eles, o prejuízo deve ser maior para os que
dependem mais das exportações de minérios e petróleo e menor para os produtores
de alimentos. Na América
Latina, por sua estreita ligação econômica com os EUA, o México tende a ser o mais beneficiado por esses novos
ventos. O Brasil, em tese, não
deveria estar mal na foto, não
fossem erros acumulados nos últimos anos.
Para
recorrer a uma imagem que virou
clichê, quando a maré baixa é que
se sabe quem estava nadando pelado. As fragilidades de países como Argentina e Venezuela
já se encontram expostas faz muito
tempo. A maior delas é política. São países fraturados em duas
partes frontalmente antagonizadas. A situação argentina é menos dramática e mais nuançada. Ainda assim, é difícil identificar, no panorama político
do país vizinho, de onde viriam as forças para reverter
o longo caminho de decadência que a Argentina percorre há muitas
décadas. Já a Venezuela é
um caso de crise aguda, que os
novos ventos do mundo só tendem
a agravar.
Bem mais favorável é a situação dos países sul-americanos do chamado Arco do Pacífico. Chile, Colômbia e mesmo Peru souberam aproveitar melhor a bonança dos últimos dez anos.
Não se deve, contudo, subestimar o desafio que a adaptação
ao novo quadro da economia internacional
representa para esse grupo de países,
em especial o último deles.
No
Chile, o provável retorno
de Michelle Bachelet à presidência,
nas eleições de novembro, aponta para um novo equilíbrio político no país. No quinto governo da Concertación o pêndulo se moverá para a esquerda em relação aos
anteriores. Estará em pauta uma
reforma fiscal, para aumentar o financiamento público da educação,
e uma reforma política, para dar maior espaço
de representação parlamentar
aos menores partidos, em especial o Partido Comunista. A polarização política com a direita, agora enfraquecida, aumentará. A queda nas exportações de cobre reduzirá o espaço de manobra fiscal do novo governo. Nada, todavia, que indique graves problemas na gestão
política e econômica do Chile
nos próximos anos.
Na
Colômbia a situação é parecida, mas os
riscos são maiores, para o bem e para o mal. As negociações com as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (Farc) entram agora em fase decisiva. Fechado o acordo em torno da
reforma agrária, o primeiro dos temas abordados, o governo e as Farc ingressam estas semanas no terreno pedregoso das discussões sobre os meios e modos
para a incorporação do grupo guerrilheiro ao jogo democrático
e depois, se vencida essa etapa, sobre
seu desarmamento. Candidato à reeleição em 2014, o presidente Juan Manuel
Santos joga todas as suas chances no sucesso dessas negociações. Se produzirem resultados, a Colômbia terá dado um passo gigantesco para se consolidar como o segundo mais importante país sul-americano. O fim de uma guerrilha
de 50 anos, que chegou a dominar um terço do território do país, compensará com sobra quaisquer dificuldades acarretadas pelos novos ventos
do mundo. Não só pelo que
representaria politicamente,
mas também pela liberação de fatores de produção hoje sob controle das Farc e do narcotráfico (terras e camponeses). Os riscos e a incerteza da travessia, porém,
não são desprezíveis.
Maiores são os riscos no Peru. As altas e contínuas taxas de crescimento observadas desde os anos 90 não
vieram acompanhadas de aumento da eficácia
do Estado na área social e fortalecimento das instituições políticas peruanas. A redução do ritmo de crescimento e da disponibilidade de recursos públicos pode produzir
instabilidade social e política
significativa, num país que se tornou o maior produtor de coca do mundo e onde ainda
sobrevivem focos narcoguerrilheiros do Sendero Luminoso.
De
todos os países da região,
o México é o que está, em tese, em
melhor situação para colher os
frutos do novo quadro da economia global. A indústria mexicana ganha com a retomada dos EUA e com o aumento dos custos de produção na indústria chinesa,
sua principal competidora
no mercado americano.
Emperradas há dez anos, reformas
estruturais têm agora
chances de se tornar realidade
nesse país. O Pacto pelo México, negociado entre o partido do presidente Peña Nieto, o PRI, e os dois principais
partidos da oposição, já produziu
mudanças fundamentais nos setores de educação e telecomunicações. Falta o mais importante:
a reforma do setor de energia, que põe
em questão o regime regulatório em que opera a Pemex, vaca sagrada da
Revolução Mexicana, desde sua nacionalização no final dos anos 30, e a reforma fiscal. Ambas são indissociáveis,
pois a empresa petrolífera responde por 40% das receitas do Tesouro mexicano e este absorve 80% das receitas daquela, numa equação que
impede o investimento da Pemex e amarra as mãos do Estado mexicano. Essas duas reformas
estão sobre a mesa, despertando um cauteloso otimismo. Se vierem a ser aprovadas, o México saltará na frente dos demais
países da região.
E
o Brasil? É verdade que temos algumas
condições estruturais e institucionais que ajudam nossa adaptação
aos novos ventos do mundo: economia (ainda) diversificada, agronegócio grande e competitivo, amplo mercado interno,
instituições comparativamente
sólidas, etc. Mas os erros acumulados
foram tantos desde o final do primeiro mandato de Lula que nossa situação é hoje muito mais
difícil do que poderia e deveria ser. Por isso, em
2014 é preciso mudar o time
que está perdendo.
*
SERGIO FAUSTO É DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC E MEMBRO DO GACINT-USP. E-MAIL:
SFAUSTO40@HOTMAIL.COM.