O
consenso do quase nada
21 de junho
de 2012
O
negociador-chefe do Brasil na Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo
Machado, considerou nada menos do que "estupendo" o resultado do
trabalho da diplomacia brasileira para obter das 193 delegações presentes à
conferência a aprovação ao texto oferecido aos seus chefes de Estado e governo
que ontem inauguraram a cúpula propriamente dita, a terminar amanhã. De fato, o
exaustivo esforço do Itamaraty na produção do documento foi bem-sucedido, ainda
mais levando em conta os impasses que outros países não conseguiam superar,
praticamente obrigando a nação anfitriã do evento a assumir a condução do
processo. Mas o eufórico termo usado pelo embaixador trai uma deformação
profissional.
Diplomatas
consideram um triunfo da atividade negociadora que é a sua razão de existir a
aceitação de um documento pelos participantes de congressos internacionais.
Naqueles em que as propostas ou são aprovadas por unanimidade ou de nada valem,
como é o caso desta Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, faz sentido que os diplomatas passem noites em claro tentando
chegar a uma versão do texto final palatável para todos. A alternativa seria a
Rio+20 terminar sem acordo nenhum, o que representaria, além de um fracasso
político generalizado, mas principalmente para o Brasil, uma derrota ainda
maior do próprio sistema multilateral criado para enfrentar a mudança climática
que abala o planeta.
Ambas as
ameaças foram evitadas, bem como o risco de um retrocesso em relação às
decisões tomadas na conferência-mãe, a Rio 92. Nela, adotaram-se documentos sem
precedentes, como as convenções do clima e da biodiversidade, fincou-se o
conceito de sustentabilidade - as práticas desejáveis que satisfaçam as
necessidades humanas no presente sem privar disso as gerações futuras - e se
instituiu o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esta é
a pedra de toque da repartição dos custos da defesa ambiental: os países que
prosperaram historicamente graças ao uso dos combustíveis fósseis causadores do
aquecimento global devem ser os principais pagadores da contenção do desastre
climático.
Nenhum dos
avanços de dois decênios atrás foi revertido, embora a deterioração continuada
dos ecossistemas exigisse da comunidade internacional iniciativas mais robustas
em menos tempo. E foi isso que a Rio+20 deixou de fazer. O
"estupendo" consenso diplomático só foi alcançado mediante a retirada
do texto de quaisquer propostas efetivamente substantivas - que, por isso
mesmo, foram rejeitadas por uns ou outros grupos de países. Os ricos varreram
do documento da conferência, entre outras coisas, a ideia de um fundo de US$ 30
bilhões com o qual teriam de arcar para transferir aos pobres tecnologia de
mitigação dos danos ambientais. Capitaneados pelos Estados Unidos, esvaziaram
também o projeto brasileiro de novas regras para a exploração oceânica.
Os pobres,
de seu lado, conseguiram descolorir a noção de economia verde, alegando que ela
poderia ser invocada pelas nações desenvolvidas para impor barreiras comerciais
- o "ecoprotecionismo". E por aí se foi, de generalidade em
generalidade, até se chegar ao consenso do nada, ou quase nada. Estabeleceu-se
apenas que um comitê de 30 países, a ser criado pela ONU, deverá propor até
2014 um modelo de arquitetura financeira para a defesa da Terra; nenhuma
palavra, agora, sobre cifras, prazos e pagadores. Pior ainda, não se
anteciparam nem temas nem metas para a definição, remetida à mesma data e
também a cargo de um comitê, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a
grande esperança da Rio+20.
Quando
salvar o multilateralismo, sustar o retrocesso na frente ambiental e transferir
decisões críticas para o futuro é "uma vitória", como decretou a
presidente Dilma Rousseff ao deixar a reunião do G-20 no México para abrir
ontem o evento do Rio, o pessimismo dos ambientalistas é plenamente
justificado. Os governos agem como se tivessem todo o tempo do mundo para
conter o impacto das transformações com que o homem vem onerando o planeta.
Mais grave do que o desacordo entre os líderes nacionais é a sua falta
compartilhada de senso de urgência.