Fracasso em Cartagena
Fracasso
inegável, a 6.ª Cúpula das Américas, com a participação de 31 chefes de
governo, terminou em silêncio por falta de assunto. Não houve sequer o
comunicado cheio de retórica e vazio de propostas concretas, fecho quase inevitável
de reuniões desse tipo. Com uma franqueza fora do comum, governantes e
diplomatas desistiram de gastar tempo e esforço num documento produzido apenas
para constar. A reunião terminou sem o consenso mínimo para a criação de grupos
de trabalho e para o esboço de uma pauta para a próxima conferência, marcada
para 2015 no Panamá. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anfitrião do
encontro, abriu a conferência lamentando a exclusão de Cuba, um resquício,
segundo ele, da guerra fria. Mas a explicação mais plausível para o paupérrimo
resultado da reunião é de outra ordem. Falta aos governos do hemisfério uma
agenda pragmática para a discussão de interesses comuns.
Sem essa agenda,
velhas diferenças políticas tendem a dificultar a ação conjunta e a minar a
cooperação. A questão cubana é apenas um dos focos de divergências. A
presidente Cristina Kirchner foi à conferência com a ambição de conseguir apoio
continental para a disputa com o Reino Unido a respeito das Malvinas. Não deu
certo e ela voltou a Buenos Aires antes do encerramento do encontro. Num
esforço para atenuar o fracasso, o presidente colombiano destacou, no balanço
final, o debate mais aberto sobre a questão das drogas, com a participação do
presidente Barack Obama. O problema é importante, mas o alcance da discussão
foi limitado.
A reunião na
Colômbia ainda teria alguma utilidade, se os governantes e diplomatas fossem
capazes de extrair do fracasso uma lição simples: esforços de integração só
produzem resultados se seus objetivos forem muito claros. Mesmo assim podem
fracassar, total ou parcialmente, como as negociações da Alca e as discussões
da Rodada Doha. Mas, sendo claros, esses objetivos servirão de orientação para
novas tentativas.
A primeira Cúpula
das Américas, celebrada nos EUA em 1994, serviu para o lançamento de um grande
projeto de integração comercial de 34 países americanos. Enquanto esse projeto
foi mantido, as conferências de chefes de governo das Américas tiveram como
foco as questões regionais de comércio e de investimento. O projeto da Alca foi
liquidado em 2003-2004, principalmente pela miopia ideológica do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, apoiado por seu colega argentino Néstor Kirchner. O
projeto da integração hemisférica por meio de uma negociação geral foi derrubado,
mas os governos dos EUA e de vários países latino-americanos encontraram outros
caminhos para negociar. O Chile havia saído na frente. Vieram depois
negociações com centro-americanos, com a Colômbia e com o Peru. O Equador teria
seguido esse caminho, se o presidente Rafael Correa não tivesse preferido a
bandeira bolivariana.
Enterrada a Alca,
as Cúpulas das Américas foram perdendo relevância, por falta de agenda
significativa. Sem assunto melhor, voltaram à tona as velhas rivalidades,
alimentadas em boa parte pelo complexo de inferioridade em relação aos EUA.
O palavrório da
Cúpula celebrada na Colômbia confirma a pobreza do debate regional. A presidente Dilma Rousseff, mais uma vez,
protestou, diante do presidente Barack Obama, contra a grande emissão de
dinheiro pelos bancos centrais dos EUA e da Europa. Queixou-se, de novo, à
pessoa errada. E quando a imprensa lhe pediu um comentário sobre a mudança na
política cambial chinesa anunciada no fim de semana, ela disse desconhecer o
assunto. Não estava acompanhando, segundo explicou. Pelo visto, nem ela nem
seus assessores e ministros, preocupados com o tradicional esporte
latino-americano de mostrar a língua para os políticos dos Estados Unidos.
Sem uma agenda séria, a próxima Cúpula das Américas será outra inútil e constrangedora perda de tempo. A reunião de Cartagena só serviu para revelar a graça da secretária de Estado Hillary Clinton como dançarina de rumba. Foi o que houve de mais interessante no encontro.