Moscou socorre Assad
07 de fevereiro
Além de exercer o direito de espernear em protesto pela
derrota diplomática sofrida sábado no Conselho de Segurança (CS) da ONU - quando a Rússia e a China vetaram um já esvaziado projeto
de resolução pedindo uma "transição política" na Síria -, os EUA
e seus aliados na Europa e no Golfo Pérsico pouco
podem fazer, de imediato, para ao menos deter as atrocidades por atacado do regime de Bashar Assad contra os redutos da oposição
do país. A secretária de Estado americana
Hillary Clinton considerou o resultado
da votação no CS "uma caricatura". Foi, na realidade,
uma humilhação.
A primeira
versão do projeto ia além
do endosso com todas as letras do plano da Liga Árabe - pelo
qual Assad transferiria o poder para o seu
vice, o praticamente desconhecido
Farouk al-Shara. Este formaria
um governo de união nacional incumbido de convocar eleições gerais em dois
meses, com supervisão internacional. O texto dava 15 dias
de prazo para o ditador cumprir a decisão. Do contrário, o CS estaria autorizado a adotar "medidas
adicionais", em entendimentos com a Liga. A resolução exortava
ainda a comunidade internacional a suspender as remessas
de armas para a Síria. O principal fornecedor
de Damasco é a Rússia - aliada do clã Assad desde os tempos da União Soviética e detentora de uma base naval em Tartus.
Tratava-se de um rascunho para
ser abrandado, a fim de que os russos
(e os chineses) trocassem o veto anunciado pela abstenção. De fato, nos dias
seguintes, os diplomatas ocidentais fizeram concessões em cima de concessões.
A referência ao
suprimento de armas foi cortada. As garantias de que a resolução desta vez não se destinava
a criar condições para uma intervenção
armada na Síria - como aconteceu
na Líbia - foram reforçadas. Enquanto a versão original afirmava, numa linguagem contorcida, que "nada nessa resolução compele os Estados-membros ao uso ou
ameaça da força", o texto final consignava a intenção de resolver a crise síria "sem intervenção militar estrangeira".
Mais importante ainda, sumiram todas as referências ao plano da Liga
Árabe, como a que previa a transferência
do governo de Damasco para o vice de Assad. Para a oposição síria, a aprovação de um documento assim desdentado e nada seriam praticamente a mesma coisa. As concessões dobraram as resistências de membros não permanentes do CS, como Índia, Paquistão
e África do Sul. Mas os 13 votos
afinal a favor, em 15 possíveis, foram uma vitória de Pirro diante dos vetos de Moscou e Pequim. Para esfregar sal na ferida
dos defensores de um pronunciamento
qualquer da ONU sobre a Síria, em convulsão há
quase 11 meses, na véspera da reunião
o Exército bombardeou o baluarte oposicionista de Homs, 160 quilômetros a oeste de Damasco, como se fosse a capital de um país
com que a Síria estivesse em guerra.
Morreram entre 200 e 300 pessoas. A investida prosseguia
ontem.
O ataque
a Homs, não o primeiro, porém o mais feroz até
então, pôs em evidência o fato de que o conflito
sírio mudou de figura. Já não consiste em protestos civis
de rua, geralmente pacíficos, reprimidos selvagemente. Hoje há uma guerra de atrito
envolvendo organizações
armadas rebeldes, a começar
do Exército Síria Livre, e tropas regulares do governo. Os insurgentes, à maneira das guerrilhas, ocupam posições - chegaram a se instalar na periferia
de Damasco - das quais certamente serão desalojados ao preço de um desgaste presumivelmente crescente do regime. As vítimas mais numerosas, como sempre,
são civis. Noticiou-se ontem que a ONU
parou de compilar as baixas no país, depois que chegaram
a 5.400.
Na esteira
do fiasco no CS, a França, com o apoio
dos EUA, sugeriu a formação de um grupo de
"amigos da Síria" - eufemismo
para a oferta
de ajuda militar indireta (via Catar, Turquia e Arábia Saudita, provavelmente) aos revoltosos. Se isso alterar
a relação de forças no terreno, o efeito será a guerra civil plenamente instalada - com o Irã acudindo o seu aliado Assad. As portas do inferno, como
os árabes costumam dizer, se abrirão no Oriente Médio.