As voltas
que o mundo dá
Suely Caldas
28 de agosto
de 2011
Enquanto o Partido Republicano dos Estados Unidos rejeita proposta do presidente Barak Obama de elevar impostos dos americanos ricos, 16 multimilionários franceses assinam documento pedindo para pagar mais
imposto. Pedido prontamente atendido,
no dia seguinte o presidente Nicolas Sarkozy instituiu
uma taxa temporária de 3% sobre a renda dos franceses que ganham acima
de 500 mil por ano.
A crise econômica segue, desafia os ricos,
testa reações e condutas pessoais.
É claro que os
milionários franceses olham por suas
empresas, querem evitar que elas
mergulhem com o país num possível rebaixamento da nota de risco.
Mas deram sua
parte, estão tirando do bolso. Os americanos nem
se mexeram e viram a Standard
& Poor’s (S&P) rebaixar
o rating dos Estados Unidos.
Outras agências de risco não seguiram
a S&P e três semanas depois
seu presidente, Deven Sharma, demitiu-se do
cargo. Na quinta-feira a Standard & Poor’s melhorou a classificação do Brasil.
Neste emaranhado de situações inusitadas e inesperadas desta crise, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano
Luis Alberto Moreno, fez um paralelo entre o que viveu
a América Latina nos anos 80 e o que enfrentam hoje Estados Unidos e Europa. Ele aconselhou
os países ricos a aprenderem com os latino-americanos como fazer
gestão econômica em momentos de crise.
"Nos
últimos 25 anos ocorreram 31 crises financeiras.
A capacidade de gestão e decisão dos países da América Latina é mais forte do que a de países desenvolvidos", lembrou
Moreno, em passagem recente por São Paulo. Com essa enxurrada de crises em tempo tão curto,
os latino-americanos aprenderam a diagnosticar seus males - a inflação
foi o maior deles, mas havia muito
mais - e o que fazer para atacá-los.
E acumularam experiência
suficiente para ensinar.
Atualmente a situação é outra. Na década de 1980, na
confortável posição de credores, os países
ricos pressionaram os latino-americanos a puxarem o freio da economia, a suprimir gastos sociais, gerar desemprego, cortar salários, a multiplicar dramas humanos. Hoje eles padecem
de problemas em que somos diplomados
- elevado endividamento e desequilíbrio fiscal -, mas não somos nós
os credores nem somos nós
a pressioná-los.
E
como a América
Latina corrigiu seus erros?
Vejamos o caso do Brasil. Entre uma e outra das 31 crises citadas por Luis Alberto Moreno, enfrentamos
os amargos efeitos de duas moratórias - em 1982 e 1987.
O País ficou sem
crédito, mergulhou na recessão e no desemprego, a inflação disparou e os governos
Figueiredo, Sarney e Collor recorreram a cinco planos de estabilização, todos fracassados.
Os países
credores (europeus, Estados Unidos e Japão) pressionavam o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passou a vigiar
com lupa a economia brasileira a cada três meses, quando
aqui aportavam seus técnicos. O FMI condicionava empréstimos a contrapartidas duras na
área fiscal. O Brasil
e sua população sofreram e empobreceram. Foi a chamada década perdida.
No final da década de 1980, o Plano Brady reestruturou
a dívida e ajudou o Brasil a recuperar o crédito externo. Mas os crônicos déficits orçamentários persistiam: os governos continuavam
gastando muito, o buraco fiscal aumentava e a inflação disparava. Sarney entregou o País a Collor com uma hiperinflação de 86% ao mês e 2.750% ao ano. Em dois anos Collor
fez dois planos de estabilização - dois fiascos.
Para reorganizar
a economia era preciso acabar com a inflação. O Plano Real cumpriu esse papel, a
inflação veio abaixo e os brasileiros
passaram a se orgulhar de sua moeda, antes desmoralizada e sem valor. A partir daí os
governos Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso iniciaram uma saraivada
de mudanças no arcabouço de
leis para modernizar a economia e recuperaram o que foi destroçado
na década
perdida. FHC privatizou bancos
e empresas estatais que sangravam os
cofres públicos e criou leis e regras que obrigaram governadores
e prefeitos a adequar seus gastos à receita.
Estrutura econômica modernizada e mais bem organizada,
o investimento privado deslanchou, gerando renda, empregos e receita tributária.
Mas FHC continuou
gastando mais do que arrecadava e o déficit fiscal crescia. Só depois da crise da Rússia, em 1998, o governo passou a perseguir o equilíbrio com um programa consistente de redução de despesas. Mas as crises que vinham de fora
atrapalhavam e as reservas cambiais eram insuficientes
para enfrentá-las.
Em
outubro de 1998, o Brasil recorreu ao FMI. Era tudo o que a equipe
econômica de FHC não queria, mas
não conseguiu evitar. Novamente, o País ficava sob o jugo do FMI, como na
década de 1980. Por duas vezes - em
1999 e 2002 - o Plano Real esteve ameaçado,
mas sobreviveu
com uma boa gestão macroeconômica do Banco Central, comandado por Arminio
Fraga.
Ao assumir a Presidência do País, Lula não fez
nada do que pregou em 20 anos. Seu
mérito foi manter intacta a política econômica de FHC, não mergulhar
o País em aventuras mirabolantes do PT. Seu governo soube tirar
proveito de um longo período de prosperidade no mundo e, até 2008, nenhuma crise externa.
Mas em 2008 não só o Brasil,
como também seus vizinhos da América Latina estavam mais bem preparados
para enfrentar uma crise que
não criaram, que não era sua.
Foram 25 anos nada tediosos, cheios de emoções, altos e baixos, nunca planície,
uma sinuosa e turbulenta montanha a exigir ações e decisões rápidas dos responsáveis pela gestão. É disso que fala o presidente do BID.
A crise
nos Estados Unidos e na
Europa ameaça contaminar o mundo inteiro e, em menor
proporção, os países emergentes, entre eles o Brasil.
Por aqui, levamos tempo para reconhecer a origem
dos nossos dilemas - a gastança exagerada dos governos, que criavam
déficits públicos gigantescos, cobertos com endividamento crescente e produzindo hiperinflação.
Por enquanto, Europa e Estados Unidos ainda não
vivem o descontrole da inflação, mas
se não agirem rápido... ela vai
chegando de mansinho e se instalando.
A gestão da crise nos dois continentes
tem sido criticada por não produzir
decisões, no máximo, medidas paliativas que não resolvem. Falta coragem política.
E, quanto mais
demorados os resultados, mais longa será a crise.
Nós, aqui, levamos 25 anos. Quantos serão por lá?