A ousada aposta de Obama
24 de junho
de 2011
Numa de suas inumeráveis
frases de espírito, o ensaísta inglês Samuel Johnson
(1709-1784) disse que nada como a perspectiva
da morte próxima para um homem se concentrar. Nada também como o risco
de uma derrota eleitoral, é o caso de parafrasear, para um líder político se concentrar no que incomoda os seus
concidadãos. Há poucas dúvidas de que isso foi
o que mais pesou na decisão
do presidente dos EUA,
Barack Obama, anunciada quarta-feira,
de acelerar a retirada de tropas americanas do Afeganistão - contra a opinião
dos seus comandantes militares, favoráveis à desmobilização de menos soldados em mais
tempo.
Em fins de 2009, seguindo os conselhos dos militares, Obama acrescentou 30
mil aos 68 mil homens já acantonados no país, apoiados por 40 mil soldados de nações aliadas, elevando a nível sem precedentes o engajamento dos EUA na mais prolongada
guerra da história americana. Quando, em seguida ao
11 de Setembro, o então presidente George W. Bush mandou invadir o Afeganistão para dizimar as bases da organização terrorista Al-Qaeda,
sob a proteção das milícias islâmicas do Taleban, foram mobilizados 1.300 homens. Desde então, a escalada não cessou,
sem ganhos compatíveis com o porte do engajamento, os recursos despendidos e as mais de 2.500 baixas da coalizão ocidental (1.600 das quais, americanas).
Agora, 33 mil militares deixarão o país - 10 mil este
ano e os demais até o fim
do verão de 2012 no Hemisfério
Norte, em setembro. Não por coincidência,
é quando entrará na reta
final a campanha para o pleito presidencial de novembro, em que
Obama disputará novo mandato
contra um adversário republicano
ainda indefinido. A retirada das tropas deverá terminar
em 2014, se nada fizer descarrilar o cronograma de
Washington. Se dependesse de
56% dos americanos ouvidos em recente pesquisa
sobre o assunto, porém, a saída deveria ser "a mais rápida possível". É um recorde. Antes da eliminação de Osama bin Laden, em
maio, era o que pensavam 48%.
Os EUA não se distinguem
especialmente por ter uma população
pacifista.
A invasão do Iraque, em 2003, deu a Bush índices estratosféricos de popularidade.
"A maior mentira jamais contada", como um crítico
americano englobou os pretextos invocados
pela Casa Branca para derrubar o ditador Saddam Hussein (que nunca teve parte
com a Al-Qaeda), foi tida anos a fio como
verdade por uma entusiástica maioria de cidadãos. Se atualmente também a maioria quer distância
do Afeganistão é por acreditar que a Al-Qaeda está contida e que o Taleban não
representa - como
nunca representou - uma ameaça à segurança
dos EUA.
Mas quer a retirada
principalmente por não entender como
um país imerso numa profunda crise
econômica sem saída à vista - para a qual contribuiu também o estonteante US$ 1,3 trilhão já
gasto com as duas guerras - pode despender US$ 1 bilhão ao mês com um compromisso
cujo sentido lhe escapa, até
por incluir pesados investimentos em nation-building, para eliminar o atraso medieval afegão e erguer no seu lugar um Estado
viável com os adornos das democracias
ocidentais. Ciente da direção dos ventos
em seu país,
Obama reconheceu no discurso
da retirada, tardiamente, que "é tempo de se concentrar
em construção nacional aqui em
casa".
A bem
da verdade, ele herdou a extravagante fatura da visão supremacista dos anos Bush, segundo a qual o terror deve ser combatido com uma "guerra global", da
qual faz parte a exportação, aos países que
o abriguem, das instituições americanas. E tudo em anos, não em
gerações. A realidade afegã mostra o desvario dessa concepção. Se, como dizia
Santo Agostinho, o objetivo
da guerra é criar as melhores condições possíveis para a paz, o resultado da empreitada americana na Ásia Central é um fiasco. Dos 40 mil talebans, menos
de 2 mil se achegaram aos ocidentais. E o vizinho Paquistão tornou-se um aliado ainda mais
duvidoso depois da operação em seu
território para matar Bin Laden. Mesmo assim, Obama fez a sua ousada aposta, na esperança
de que a "onda da guerra em refluxo",
como disse, não volte a se encorpar.