O pesadelo de Guantánamo
27 de abril
de 2011
Os mais
de 700 documentos militares
sigilosos sobre os suspeitos de terrorismo presos na base americana de Guantánamo, em Cuba, recém-divulgados pelo site
WikiLeaks e o jornal The New York Times, formam o quarto conjunto de papéis confidenciais do governo dos EUA trazidos a público desde o ano passado.
A nova batelada deixa claro que à incapacidade
da maior potência global de
conservar os seus segredos se soma a incompetência para distinguir quem é quem entre os
presumíveis agentes do seu inimigo número
um - a rede terrorista Al-Qaeda,
de Osama bin Laden.
Os seus
ataques ao país em 11 de setembro
de 2001 estão na origem da transformação de Guantánamo numa penitenciária sui generis, que afronta
os direitos consagrados na pátria das liberdades
e nem assim constitui um instrumento eficaz de combate à ameaça fundamentalista homicida. Já se sabia da rotina
de violências, humilhações
e desproteção legal que se abatia sobre os
encarcerados no enclave americano
em Cuba. Sabia-se também que não
poucos deles, depois da captura, tinham sido enviados clandestinamente
a outros países
para ser torturados - e dali para Guantánamo.
Mas não se sabia
do surrealismo que imperava nessa que se tornou uma
"duradoura instituição
americana", como diz o New York Times, em alusão à desistência do presidente Barack Obama de fechar
o que Washington chama delicadamente de "centro de detenção", uma de suas mais fortes promessas de campanha. Os papéis vazados são quase todos
"relatórios de avaliação",
escritos entre fevereiro de 2002 e janeiro de 2009,
ainda no governo Bush, portanto. São as fichas de 759
dos 779 detentos que passaram pelo lugar
ao longo do período, entre eles um jovem de 14 anos e um ancião senil de 89.
Em relação a pelo menos 150 "combatentes inimigos", nem os seus
próprios guardiães conseguiram estabelecer vínculo algum com a Al-Qaeda ou o Taleban. Foram parar em Guantánamo
pelas razões mais implausíveis, como terem
sido confundidos com homônimos ou acusados
de atos terroristas pelos verdadeiros perpetradores, sem que a versão fosse investigada. Passaram anos, porém, até
que fossem devolvidos aos seus países de origem. Um cinegrafista
sudanês que trabalhava para a TV Al Jazeera passou 6 anos respondendo a perguntas sobre programas de treinamento, equipamentos e coberturas jornalísticas da emissora.
Foi solto em 2008 (e voltou ao emprego).
Continuam na
base 172 suspeitos. A maioria é considerada de "alto
risco". No entanto,
conforme os documentos expostos, assim também eram
classificados cerca de 200
dos 600 já libertados. Culpado ou inocente,
nenhum poderia ser levado a um tribunal penal pela fragilidade das evidências reunidas contra eles e as circunstâncias de suas confissões. Mesmo o mais conhecido de todos, Khalid Shaikh
Mohammed, operador-chefe confesso
do 11 de Setembro, será julgado por uma
corte militar; o governo desistiu de submetê-lo a um tribunal de
Manhattan, onde se erguiam
as torres gêmeas contra as quais mandou que
se lançassem os aviões tomados pelos bandos suicidas
naquela terrível manhã.
Muito do que consta
nos "relatórios de avaliação" dos prisioneiros
é o que deles disse um punhado de outros. Além disso, membros dos serviços de inteligência de uma dezena de países - todos árabes ou
muçulmanos, salvo a Rússia
e a China - estiveram em Guantánamo para interrogar os seus
nacionais. Verificou-se depois
que o que eles lhes diziam
não conferia necessariamente com o que haviam dito aos
americanos. O que é verossímil é o retrato degradante do cotidiano da base, a
tensão irrespirável no ar, as juras de desforra e os revides.
Dificilmente isso terá mudado com o advento do governo Obama.
Não está claro
o que ele possa fazer, sob os ataques da virulenta
oposição republicana, para se livrar do pesadelo herdado - que continua a ferir, como nenhuma outra
questão singular, a imagem
dos Estados Unidos. E tudo para quê? "Quanto mais se sabe de Guantánamo, pior parece como
meio de enfrentar o terrorismo", resume o diário
londrino The Guardian, que também publicou os documentos. "É
um símbolo de vingança, não um sistema de justiça." rificou-se depois que o que
eles lhes diziam não conferia
necessariamente com o que haviam dito aos
americanos. O que é verossímil é o retrato degradante do cotidiano da base, a
tensão irrespirável no ar, as juras de desforra e os revides.
Dificilmente isso terá mudado com o advento do governo Obama.
Não está claro
o que ele possa fazer, sob os ataques da virulenta
oposição republicana, para se livrar do pesadelo herdado - que continua a ferir, como nenhuma outra
questão singular, a imagem
dos Estados Unidos. E tudo para quê? "Quanto mais se sabe de Guantánamo, pior parece como
meio de enfrentar o terrorismo", resume o diário
londrino The Guardian, que também publicou os documentos. "É
um símbolo de vingança, não um sistema de justiça."