Um almoço em Genebra

 

10 de março

 

Pressentindo a guinada dos ventos nas relações entre Brasília e Teerã, o chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi, disse numa entrevista a este jornal que o seu governo ficará "muito decepcionado" se o Brasil mudar de posição nas Nações Unidas em relação ao país. Ele falava, naturalmente, do que poderá ser a nova atitude brasileira, na contramão da linha seguida durante os anos Lula, de condenar a teocracia iraniana por violações de direitos humanos e votar a favor de uma investigação internacional a respeito.

 

Isso foi 10 dias, quando se instalou em Genebra a 16.ª reunião ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que deverá se pronunciar sobre as denúncias acerca do Irã no próximo dia 21. Mas Teerã tem por que se decepcionar com o Brasil. Na última segunda-feira, num gesto sem precedentes, a representação do País junto à sede europeia das Nações Unidas recebeu, em almoço, a iraniana que encarna mais do que ninguém a luta de seus concidadãos contra as violências a que os submete o regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad - sobretudo desde os protestos desatados contra a fraude eleitoral com que se reelegeu em 2009.

 

Trata-se da dissidente exilada Shirin Ebadi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2003. Com esse ato, evidentemente acertado entre a embaixadora em Genebra Maria Nazareth Farani Azevedo e a cúpula do Itamaraty, o Brasil transpôs uma fronteira. O governo da presidente Dilma Rousseff não anuncia apenas por palavras que se dissociou da complacência de Lula diante das atrocidades praticadas pelos regimes despóticos com os quais se alinhou, numa tosca tentativa de desfilar o seu antiamericanismo pelo mundo afora, que, afinal, serviu para envergonhar o Brasil.

 

Com o convite à ativista para um encontro amistoso, na presença, entre outros, do embaixador dos Estados Unidos, a diplomacia brasileira indicou, no mínimo, a disposição de se inteirar das expectativas da oposição iraniana quanto às pressões que a comunidade internacional deve exercer sobre Teerã em defesa dos direitos elementares dos que ousam erguer a voz contra a tirania teocrática. Aos convidados, a embaixadora Maria Nazareth disse que o Brasil "apoiava" a posição de Ebadi. Ela reivindica a criação de uma comissão, no âmbito da ONU, para investigar as práticas brutais recorrentes em seu país e a adoção de sanções contra os envolvidos com a repressão.

 

Semanas atrás, quando as milícias leais ao ditador líbio, Muamar Kadafi, e os mercenários importados pelo regime recorreram pela primeira vez à selvageria para reprimir os protestos populares contra o tirano, o Brasil não votou a favor das sanções contra a Líbia no Conselho de Segurança, mas trabalhou para que o país fosse suspenso do Conselho de Direitos Humanos. O Brasil estaria apenas sendo coerente com essa atitude se copatrocinasse o projeto de resolução para investigar o Irã. "Se o Brasil e a comunidade internacional não querem mais uma Líbia", diz Shirin Ebadi, "precisam começar a se mover imediatamente para promover um novo diálogo com Ahmadinejad, antes que ele siga o caminho de Kadafi."

 

Não falta muito, aparentemente. "Líderes da oposição são silenciados e torturados nas prisões. Somos o país com o maior número de jornalistas presos. Somos também o país com o maior número de menores detidos. A situação da mulher é uma calamidade", enumera a ativista. Deve piorar. Na terça-feira, com o afastamento do ex-presidente (1989-1997) Akbar Hashemi Rafsanjani da chefia do organismo conhecido como Assembleia dos Especialistas, que, entre outras atribuições, escolhe o líder supremo da República Islâmica, foi-se o último moderado na estrutura de poder da teocracia iraniana. Ele foi substituído por um radical.

 

Para a diplomacia brasileira, o endurecimento do regime representa um desafio e uma oportunidade. O desafio, naturalmente, é o de responder à altura, na ONU, à deterioração do quadro iraniano. "O Brasil precisa nos apoiar enquanto houver massacres", ressaltou Ebadi ao Estado. E a oportunidade é a de mostrar que, efetivamente, "o Brasil começa a se redimir", como diz ela, "de ter apoiado tantos ditadores nos últimos anos".