Obama, o Brasil e o Conselho de Segurança
13 de fevereiro
de 2011
Roberto Abdenur*
- O Estado de S.Paulo
É usual, no
contexto da preparação de visitas internacionais, a troca pela imprensa
de "recados" entre
uma parte e outra. Serve isso para ventilar
desde logo certas tendências ou mesmo
posicionamentos já cristalizados quanto à agenda das conversações
a se darem durante
a viagem. Merece atenção, a esse respeito, matéria saída na
edição deste jornal do último dia 8 de fevereiro. Nela a correspondente em Washington afirma que o presidente
Barack Obama não quer o Brasil no Conselho de Segurança da ONU (CSNU). Segundo fonte do Departamento de Estado, o Brasil teria cometido
um "pecado mortal", uma
"burrada", ao se opor às sanções
aprovadas pelo conselho contra o Irã. Diante disso, quando da visita ao País,
em março, Obama só por "milagre"
virá a apoiar
o pleito brasileiro por assento permanente
no CSNU.
O tema
merece detida avaliação, pois não deixa de ter
algum impacto sobre o relacionamento bilateral,
ainda que não constitua condição
sine qua non para avanços que são, por
sinal, de profundo interesse para ambas as partes. E porque, para além
disso, envolve decisões que dizem respeito
a como conseguirá a comunidade internacional melhor se organizar para enfrentar os ingentes desafios
que se lhe apresentam em numerosas
questões de ordem econômica, ambiental, energética, política e de segurança. Um importante antecedente vem desde logo à baila:
abandonando a postura de silêncio sobre a questão da ampliação do CSNU, em sua
recente viagem a Nova Délhi o presidente Obama desdobrou-se em loas à Índia,
cuja candidatura ao conselho endossou
plenamente. E o fez ao formalizar-se inédito acordo de cooperação nuclear entre os Estados
Unidos e o país que se tornou potência
nuclearmente armada ao arrepio do Tratado de Não Proliferação. Foi a Índia, na ocasião, consagrada como parceira estratégica dos Estados Unidos. Subjacente a esses ousados passos esteve o interesse dos Estados Unidos em respaldar aquele
país como
contrapeso ao crescente poderio econômico, político e militar da China. Assim é a
Realpolitik, há que compreender (como,
de resto, fez agora, de sua
parte, o governo brasileiro, outrora profundamente crítico da bomba indiana).
O que
vem ao caso,
com vista à presença de
Obama em Brasília, é o fato
de que o presidente norte-americano passou a admitir o princípio da ampliação do CSNU - e aí se faz indispensável
que Washington proceda a uma cuidadosa, serena e objetiva análise do "caso brasileiro". Para começo de conversa, não faz sentido
que, sobre assunto de tão amplas implicações internacionais, se deixe o governo dos Estados Unidos levar pelo
inconformismo com o voto brasileiro no caso iraniano. Salta aos olhos que
a atitude do governo Lula constituiu fragorosa anomalia, no sentido de que não estava em
jogo, no caso, nenhum interesse nacional. Aquela desventurada aventura constituiu grave - mas
momentâneo, passageiro - desvio das diretrizes
históricas da diplomacia brasileira. Trata-se de episódio isolado e superado, que de modo algum representou
alteração de rumos na trajetória
do País no plano internacional. O que, sim, vem mudando,
e muito rapidamente, na trajetória do País é sua ascensão
à condição de ator relevante, em não poucos
casos até decisivo, ao largo do amplo espectro de problemas internacionais (e globais) cujo encaminhamento
está a exigir pronta reconfiguração dos sistemas decisórios nas Nações Unidas
e em outros foros.
É preciso
que os Estados
Unidos reconheçam, na devida
medida, a virtual singularidade
do que chamo de "caso brasileiro". Diferentemente da Índia - e da
China, e da Rússia, e dos próprios
Estados Unidos -, é o Brasil o único país de dimensões continentais, vultosa população e grande e dinâmica economia a situar-se fora (e até longe) dos contextos de tensão geopolítica que marcam outras regiões
do mundo. Será que os Estados
Unidos estariam agora adotando como
critério para seu apoio a uma
entrada no CSNU a posse da bomba? Se assim for, o Brasil decididamente não terá jamais
títulos para um assento permanente no conselho (nem o terão outros candidatos
fortes, como a Alemanha e o Japão). O que singulariza o Brasil é, ao contrário,
o fato de viver em região privilegiadamente
pacífica, livre de armas de destruição em massa
e onde praticamente inexistem riscos de conflitos. Esse privilégio foi
em não pequena
medida o fruto de mais de um século de hábil e lúcida diplomacia, de resto correspondida por nossos vizinhos.
Mas a diplomacia brasileira nunca esteve confinada
ao Hemisfério ou à América
Latina. Mesmo antes de lograr
a estabilidade democrática e o vigor econômico que agora usufrui, teve desde sempre
o Brasil voz ativa e considerável influência nos debates sobre questões de comércio, economia e finanças, desarmamento, não proliferação e variadas outras questões envolvendo a paz e a segurança internacionais. Muito concretamente, tem atuado como bridge builder entre diferentes regiões e fator de conciliação e entendimento em múltiplos foros
de toda ordem. Obama, ainda que seguramente
popular em nosso país, não é santo
nem precisa fazer "milagres" na visita
a Brasília. Basta-lhe refletir
mais detidamente sobre o que significa
- e cada vez mais significará como ator
decisivo no plano internacional - o Brasil como economia, nação e Estado. Tal reflexão deveria
incluir, no plano
propriamente bilateral, a constatação
de que houve em anos recentes
uma mudança na natureza mesma
do relacionamento Brasil-Estados
Unidos. Uma nova dinâmica, de crescente mutualidade, vai criando fortes vínculos de entrelaçamento e interdependência:
do que decorre substancial ampliação da área de convergência e entendimento, por sobre diferenças pontuais de pontos de vista. A conclusão lógica de uma tal reflexão será o reconhecimento de que o endosso à candidatura
brasileira ao conselho só faz
consultar os melhores interesses da comunidade internacional - aí incluídos, claro
está, também os dos Estados Unidos.
*Roberto Abdenur
Diplomata, Foi Embaixador Do Brasil Nos Estados Unidos