Dólares perigosos
05 de novembro
de 2010
Pode custar caro
ao Brasil a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco
central americano) de lançar
mais US$ 600 bilhões em circulação até
o meio do próximo ano. O plano
é emitir cerca de US$ 75 bilhões por mês
em mais um esforço para reanimar
a economia dos Estados Unidos, ainda com baixo ritmo de atividade e desemprego acima de 9% da força de trabalho. Em troca
desse dinheiro o Fed comprará títulos federais em poder
do público. Dólares continuarão inundando
os mercados e forçando a valorização do real e
de outras moedas. Produtores brasileiros terão maior dificuldade
não só para
exportar, mas também para competir
no mercado interno, porque a sua moeda
já é uma das mais valorizadas do mundo. Chineses continuarão levando vantagem sobre a maior parte dos concorrentes, porque darão um jeito de manter o yuan desvalorizado, talvez um pouco menos do que antes para mostrar alguma boa vontade.
O objetivo
do Fed, segundo a explicação oficial, é estimular as operações de crédito para animar
o consumo e movimentar a produção. Todos torcem pela recuperação
da economia americana,
a mais importante do mundo, mas nem
todos aplaudem a política monetária dos Estados Unidos, por causa de seus
efeitos no mercado internacional de câmbio. Na prática, os americanos
exportam sua crise para o resto
do mundo, em vez de contribuir para a reativação global.
O Fed já
havia indicado a disposição de emitir mais dinheiro. Seria a segunda grande operação desse tipo. A única
surpresa foi o montante, porque os analistas apostavam
em US$ 500 bilhões. Com os juros básicos
na faixa de zero a 0,25% ao ano desde
dezembro de 2008, as possibilidades
de ação do banco central americano estavam muito limitadas. Pouco ou nada restaria além de jogar mais
dólares no mercado.
Críticos da política americana, como
o ministro Guido Mantega e alguns de seus colegas europeus, têm defendido outra
solução. Seria melhor, segundo seu raciocínio, continuar recorrendo a estímulos fiscais
para reativar o consumo e a produção nos Estados Unidos.
O cardápio clássico poderia incluir mais investimentos públicos, forma direta e eficiente de criar empregos e de movimentar indústrias de equipamentos e de materiais.
A derrota
eleitoral do presidente
Barack Obama, nas eleições
do meio do mandato, foi uma péssima
notícia para quem torcia por
uma solução daquele tipo. Os principais vitoriosos são os grupos
mais conservadores do Partido Republicano. Eles nunca se mobilizaram
para deter a gastança do presidente George W. Bush, responsável
por uma devastação
nas contas públicas. A contenção dos gastos federais foi, no entanto, uma de suas principais
bandeiras na
campanha recém-terminada.
Quando a crise se agravou,
no terceiro trimestre de
2008, o orçamento federal dos Estados
Unidos já estava em más
condições.
Novas despesas foram
realizadas para o combate à recessão. Durante algum tempo, essa
política pareceu dar algum resultado.
Mas a economia
voltou a fraquejar e necessita, agora, de mais um bom empurrão.
Qualquer novo programa de estímulos
fiscais apresentado pelo Executivo será recebido, quase certamente, com forte resistência no Congresso. O Partido Republicano conquistou a maioria na
Câmara de Representantes e
a vantagem democrata no Senado tornou-se mais apertada. O presidente Obama terá maior dificuldade para negociar novos
pacotes antirrecessivos.
Esta tem sido, pelo menos, a
avaliação mais comum dos analistas. Se estiver correta, a economia americana
dependerá quase exclusivamente do afrouxamento monetário para ganhar algum impulso.
Nada garante esse
resultado. Seria muito
mais confiável uma política de gastos públicos, principalmente se orientada para investimentos.
Quanto à política de comércio,
dificilmente será influenciada pelo resultado das eleições. Republicanos tendem a ser menos
protecionistas que democratas, mas todos, ainda por
um bom tempo, tentarão proteger a produção nacional. Quanto mais lenta a recuperação, mais duradoura será a tendência ao fechamento
comercial. Não há perspectiva imediata de grandes novidades positivas.