A Cúpula de
Obama
Rubens
Barbosa
O quinto
encontro de cúpula reunindo os presidentes
das Américas, à exceção de
Cuba, realizado em meados deste mês
em Trinidad e Tobago marcou
uma importante mudança na dinâmica
do relacionamento entre a América
Latina, o Caribe e os Estados Unidos da América.
Pela
primeira vez em quase dois
séculos, os EUA encontraram a região com agenda própria e um ambiente político e diplomático profundamente diversificado.
O próprio conceito de Américas ficou superado, pois, na realidade,
a geografia política e econômica hemisférica está claramente dividida em Norte, Centro e Sul-América, com interesses tão diferentes quanto conflitantes.
Na área
econômica e comercial, a
gradual perda de interesse
do governo e das empresas norte-americanas abriu espaço para que
a América Latina pudesse,
de forma dramática, diversificar
as relações externas da região com a China, a Rússia, a Espanha, a Índia e o Irã.
Os países
da região estão criando mecanismos
de coordenação regional que
excluem os EUA, como a Unasul,
o Conselho Sul-Americano de
Defesa e o anunciado conselho para o combate à droga. Sem falar
na Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), criada para se contrapor aos EUA.
A Cúpula
ofereceu o cenário ideal para uma ofensiva
de charme e de relações públicas do presidente Barack
Obama. O homem é a mensagem.
É interessante
observar a forma como o
novo presidente norte-americano
conseguiu, em pouco tempo, pela simples mudança de tom e de estilo, restaurar a credibilidade e a boa
vontade dos EUA ante a comunidade internacional, desgastadas nos oito desastrados anos de Bush.
Nos primeiros contatos no G-20, na Europa, na Otan,
com a Rússia, com a China, com o mundo
islâmico, na visita à Turquia, com o Irã e, agora, com os presidentes dos países do Hemisfério, Obama mostrou a mesma atitude: em cada reunião
disse o que os interlocutores queriam ouvir, fez elogios, distribuiu sorrisos e enfatizou que estava ali
para escutar, e não para ditar
regras. Na Cúpula
das Américas lembrou as ações de força contra países da região
para dizer que agora começaria uma nova era nas relações com os EUA. Ofereceu uma parceria
de iguais, em que não haveria
sócios mais velhos e parceiros mais novos.
Evidentemente, em meio
a uma grave crise econômica, gerada em seu próprio
país, com repercussão
global, e às voltas com duas guerras externas,
no Afeganistão e no Iraque,
sem mencionar os outros graves problemas que envolvem
o Paquistão, o Irã, Israel
e os palestinos, Obama encontra claras limitações naquilo que pode oferecer
e obter na sua própria vizinhança.
Saber ouvir,
liderar pelo exemplo e reconhecer que os outros
países também têm interesses a defender são elementos do novo estilo diplomático norte-americano. O que não quer dizer
que o interesse nacional vai ser deixado de lado. Obama afirmou que é importante,
não só aqui,
no Hemisfério, como
no resto do mundo, reconhecer que o poderio militar é apenas um braço do poder de Washington e que a diplomacia e a ajuda ao desenvolvimento devem ser utilizadas de maneira mais inteligente
(smart power).
Nos bastidores, a participação do Brasil parece ter sido
ativa para evitar confrontos e chamar a atenção
para a necessidade de maior compreensão em relação à Argentina, Bolívia e Venezuela. Nas reuniões públicas,
Lula foi mais um figurante que compôs
o palco onde brilhou Obama.
Embora as expectativas fossem baixas, o encontro foi importante
não pelos temas da agenda (prosperidade humana, segurança energética e sustentabilidade ambiental), mas pela discussão,
fora da pauta,
sobre o embargo norte-americano
a Cuba e sobre o possível fim da suspensão
deste país da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O processo
de liberalização da política dos EUA em relação a Cuba foi tema da
plataforma de Obama na campanha presidencial e começou logo depois de sua posse. É um processo em marcha
que nada tem que ver com a Cúpula, mas é parte da nova política externa americana. Para evitar que o encontro
fosse sequestrado por
Havana o governo de Washington anunciou,
poucos dias
antes, medidas para facilitar as visitas, as remessas e o comércio (telecomunicações e agrícola) com
Cuba. Não tendo tido êxito nessa
estratégia, Obama, de maneira
hábil, aproveitou o encontro para anunciar
um novo começo para as relações com a ilha.
Encontrou ouvido receptivo em Havana, onde Raúl Castro disse estar disposto a conversar sobre todos os assuntos
com Washington.
Salvo em relação a Cuba, poucas foram as convergências entre os presidentes.
As diferenças são marcantes quanto à luta contra a pobreza,
a desigualdade e a exclusão,
ao papel dos Estados e do mercado na crise econômica,
ao tratamento dado ao investimento externo, à concepção de democracia e às relações com os EUA.
Apesar do clima cordial, de distensão e de não confrontação, evidenciada pela atitude de Hugo Chávez em relação
ao presidente americano e aos EUA, as divergências de percepção ficaram evidentes na falta
de consenso, pela primeira vez na
história das Cúpulas, para a assinatura, por todos os
chefes de Estado, do documento
final da reunião. A oposição ao texto,
liderada por Chávez e pelos demais presidentes dos países da Alba, foi resultado, em especial, da ausência de referência ao fim do embargo a Cuba e de uma análise crítica
da crise econômica, além da menção à OEA
e da referência positiva sobre biocombustível.
A dificuldade para definir a sede da 5ª Cúpula, finalmente
realizada em Trinidad e
Tobago, no Caribe, por pressão de Washington, deve repetir-se para a próxima reunião. No longo documento final (22 páginas e 97 parágrafos) não ficaram registrados nem o local do próximo encontro nem a data de sua realização.
Rubens Barbosa,
consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp