Castro responde a Obama
Se o presidente
dos Estados Unidos não fosse Barack Obama, a 5ª Cúpula
das Américas, de hoje a domingo em Trinidad e Tobago, seria pouco mais
do que um encontro sobre assuntos sem dúvida sérios,
malbaratados no entanto pela propensão da maioria dos participantes à verborragia e ao lugar-comum. Ou serviria também,
como na reunião
de Mar del Plata, há quatro
anos, para Hugo Chávez fazer o seu número antiamericano
de sempre. De qualquer modo, o que interessa
acima de tudo - as assimétricas relações entre os Estados Unidos
e a América Latina - continuaria
a patinar na mesmice do desinteresse, de um lado, e do ressentimento, de outro. Mas eis
que o novo titular da Casa Branca anuncia que "os tempos mudaram" - e, pela primeira vez em
décadas, essa expressão gasta soou aos ouvidos
latino-americanos como uma nova senha para a busca de uma efetiva parceria
continental.
O problema
é o descompasso de expectativas
que envolve o tema que acabou
sequestrando, como se diz nos Estados
Unidos, o evento de Port of
Spain - o fim do embargo econômico
a Cuba, decretado em 1962. A urgência com que
a América Latina quer ver removido do cenário regional esse contraproducente resquício da guerra fria
não é compartilhada pelo seu interlocutor do Norte. Deste lado, o bloqueio
e a exclusão de Cuba do sistema
interamericano são vistos, apropriadamente, como um anacronismo, uma distração que
se interpõe numa agenda
multilateral carregada de questões
de manifesta seriedade, como comércio, investimentos, energia, imigração e cooperação no combate ao narcotráfico
- e no bojo da maior crise econômica
dos últimos 80 anos. Em Washington, porém, mesmo os setores
que advogam uma virada de página
no relacionamento com Havana admitem
que o contencioso de quase meio século
provavelmente só será superado aos
poucos, "pelas bordas".
O primeiro
passo foi dado pelo presidente Obama com a eliminação das restrições às viagens e remessas
de fundos dos cubano-americanos
à ilha. Mas ele parece ter
escolhido cumprir essa promessa de campanha às vésperas
da Cúpula das Américas menos para indicar ao
Hemisfério uma nova política para Cuba eventualmente já cristalizada - o que seria de todo prematuro
-, mas para não deixar que
a questão do embargo concentre
as atenções dos 34 chefes
de governo presentes em Trinidad e Tobago. Segundo fontes
oficiais brasileiras, por sinal, Obama mencionou essa preocupação na conversa telefônica de anteontem com o presidente Lula, que tomou a
iniciativa de chamá-lo para "afinar posições" e sugerir-lhe novos gestos de distensão para Havana. Mas, movimentando as suas peças nesse
xadrez diplomático a que deu início,
foi Obama quem cobrou um gesto de reciprocidade do governo castrista - por exemplo, permitir as viagens de cubanos ao exterior, como disse numa entrevista
ao canal em língua espanhola da CNN.
Insólita foi a reação
do presidente Raúl Castro. Poucas horas depois,
de Cumaná, na Venezuela, onde se encontrava, ele declarou ter
feito chegar a Washington, "em privado e em
público", que "estamos dispostos a discutir tudo - direitos humanos, liberdade de imprensa e presos políticos". Essas palavras não devem ser tomadas
ao pé da
letra: os dirigentes cubanos decerto não estão
dispostos a discutir com os Estados Unidos
o que, em última análise, é a essência do seu
regime ditatorial. Mas o mero enunciado dos direitos e liberdades suprimidos no país e da repressão aos
opositores do castrismo, além de quebrar um tabu, é uma resposta
política a Obama, uma forma
oblíqua de engajar a Casa Branca numa interlocução
continuada. Naturalmente, é
difícil imaginar que o presidente americano tenha condições de apressar o que chamou de "descongelamento" das relações
bilaterais sem que nada mude em
Cuba - e disso Raúl há de estar ciente.
Isso não impede que ele designe
um representante especial - um "facilitador", em linguagem diplomática - para dar fluência
ao diálogo com Havana, como propôs em
carta a Obama o senador republicano Richard Lugar
(e, agora, ao telefone, o presidente Lula). É inegável, de todo modo, que
uma roda foi posta em
movimento para o que será necessariamente
um percurso mais demorado - e sujeito a acidentes - do que gostariam os participantes
latino-americanos da Cúpula de Port of Spain.