Paulo Bernardo:
"É um escândalo de proporções globais"
O
ministro das Comunicações acha que houve
escuta de conversas de diplomatas no Conselho de Segurança da ONU
e propõe uma governança multilateral da
internet
LEANDRO
LOYOLA
02/08/2013
Durante
uma hora de conversa, na sala
de reuniões do 8º
andar do prédio do Ministério das Comunicações, nenhum telefone celular foi acionado.
O fato reduz um pouco as chances de que a entrevista concedida a ÉPOCA pelo ministro
das Comunicações, Paulo Bernardo, tenha
sido espionada. Ele acha “desalentador”
para a diplomacia internacional que agências de espionagem sejam linha auxiliar
em negociações. Segundo ele, manter alguns
dados em segredo faz parte do jogo diplomático. “Fazer espionagem do campo parceiro, do
campo que está negociando, pode configurar até uma forma de fraudar a negociação”, diz Paulo Bernardo.
ÉPOCA – ÉPOCA revelou que a Agência
Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, em inglês)
espionou oito membros do Conselho de Segurança da ONU,
no caso das sanções contra
o Irã, em 2010. O Brasil pode se defender de invasões assim?
Paulo
Bernardo – Estamos diante
de um escândalo de proporções
globais. Esse episódio que vocês
mostraram é desalentador para a diplomacia internacional. Imagino que, numa negociação
diplomática, ninguém é
obrigado a dizer tudo o que tem conhecimento. Faz parte do jogo. Fazer espionagem do campo parceiro, do campo que está negociando, pode configurar até uma forma de fraudar a negociação. Se, por um motivo como
esse, você pode fazer monitoramento,
provavelmente faz em todos os
fóruns, na OMC (Organização Mundial do Comércio),
em qualquer outro fórum. Estamos
tentando entender todas as dimensões desse problema. E, mais que isso,
acho que a opinião pública mundial, a Europa, mesmo os Estados
Unidos, questionam esses métodos, porque o alcance é muito além do que
qualquer cidadão acha razoável dar
de mandato a seu governo.
ÉPOCA – O governo americano afirma que coleta apenas
dados gerais, conhecidos como metadados. Mas, no documento obtido por ÉPOCA,
a então embaixadora americana na ONU,
Susan Rice, se refere ao modo como os
parceiros do Conselho de Segurança pensavam. O senhor acredita que eles coletem
apenas metadados?
Paulo
Bernardo – Acho que o caso reportado por ÉPOCA não
tem nada ou tem pouco a ver com metadados. Se você quer vigiar
uma delegação, vai vigiar se um ligou para o outro?
Não precisa vigiar isso. Todas
as evidências indicam que fizeram escuta
mesmo das conversas.
ÉPOCA – Recentemente,
o embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon, disse que a NSA tem acesso
apenas a metadados de
internet e telefonia do Brasil.
O senhor acredita nisso?
Paulo
Bernardo – O embaixador esteve
aqui, trouxe um pequeno relato do que é a posição dos Estados Unidos. Para ser justo, ele relatou
que trouxe uma posição depois
de consultar o Departamento
de Estado. Depois disso, várias
outras coisas foram divulgadas. É possível que hoje
eles tenham outros elementos. Acho absolutamente normal um procedimento como esse. Estamos tratando
de segurança nacional, de defesa; os americanos
são muito ciosos do conceito de defesa. Mas nossa
visão é que a coleta de dados, o monitoramento,
se refere a mais do que metadados. Hoje, os jornais
trazem notícias de que eles têm
um software que permite acessar informações, inclusive conteúdo de e-mails, em todo o mundo.
ÉPOCA – O governo americano foi acusado
de monitorar comunicações por internet e por telefone no Brasil. O governo já sabe
como isso pode ser feito tecnicamente?
Paulo
Bernardo – Aparentemente, o modelo
mais usado é coletar grandes quantidades de informações por meio do acesso
aos datacenters de empresas
como Google, Facebook, Microsoft, Yahoo, várias outras. Você coleta esses
dados e põe mecanismos de busca para identificar
coisas que interessem à atividade de segurança. Mas, a partir do momento em que você
faz esse tipo de monitoramento, pode fazer qualquer
outro: para guerra industrial, comercial, espionagem. Nos Estados Unidos, isso tem uma base legal.
ÉPOCA – O ex-consultor
da NSA Edward Snowden disse que a agência
tem acesso a telefonemas e
e-mails no Brasil por meio de uma empresa
americana de comunicações.
O governo tomou algum cuidado adicional?
Paulo
Bernardo – A Anatel abriu uma investigação sobre isso. A informação
é que nenhuma empresa brasileira tem convênio para ceder
dados a ninguém. O governo
tem redes seguras. Agora, se a presidente Dilma me liga no celular, os mecanismos
de proteção são os mesmos de qualquer
cidadão. O governo não usa celular
criptografado. Se estamos fazendo uma licitação,
e preciso mandar um comunicado para a Casa Civil, mando pela nossa
rede – repito: essa rede é segura.
Mas não tratamos
de assuntos que podem ser considerados reservados ao telefone.
ÉPOCA – O senhor já afirmou que
a internet não deveria ser centralizada nos Estados Unidos, mas por um organismo
multilateral a ser criado. Há
chance de isso dar certo?
Paulo
Bernardo – Exigirá persistência,
paciência e vontade política para ser resolvido. Nossa visão é que há
uma excessiva concentração da internet em território americano.
A verdade é que, dos 13 servidores raízes da internet, dez ficam nos Estados
Unidos, dois na Europa e um no Japão – nenhum no Hemisfério Sul. Essa concentração precisa ser mudada – e uma das coisas é a governança da internet. A
internet hoje é gerida por uma entidade
chamada Icann, que tem sede na
Califórnia e responde pelas leis americanas. Como a
internet surgiu lá, isso pode ser explicável
inicialmente. Mas hoje é uma ferramenta
mundial. O curioso é que, em dezembro,
tivemos um encontro da União Internacional
de Telecomunicações (UIT), em Dubai. Uma resolução
do Brasil propunha uma governança mais multilateral da internet. No
combate a essa oposição, os Estados
Unidos e outros países diziam que,
se começar a haver interferência de outros governos, a internet estará sujeita a censura, amordaçamento, a ser monitorada.
A gente está vendo hoje, seis
meses depois, que isso já
acontecia.