A viagem é ao "mercado Brasil", não ao país
18/03/2011
A visita
que o presidente Barack
Obama inicia amanhã ao Brasil é muito
menos ao país e muito mais
ao "mercado Brasil", o que reduz dramaticamente o aspecto político, que deveria ser o principal.
Essa constatação se torna inevitável ao ouvir as sucessivas
exposições de assessores do
presidente a respeito dos objetivos da visita e ao ler o artigo
que o próprio Obama publicou hoje no jornal "US Today".
Diz o texto: "Perto de 600 milhões de pessoas vivem na
América Latina. A economia da região cresceu cerca de 6% no ano passado. Entre 2010 e 2015, espera-se que cresça
um terço mais. E, na medida em que esses
mercados estão crescendo, também está sua
demanda por bens e serviços --bens e serviços que, como presidente,
eu quero ver que sejam
feitos nos Estados Unidos da América".
Mais
claro, impossível. E ainda houve
uma menção também bastante explícita ao petróleo
do pré-sal: "O Brasil descobriu recentemente reservas de petróleo que poderão ser bem maiores que
as nossas, e, na medida em que
tratamos de aumentar os fornecimentos seguros de energia, procuraremos desenvolver uma parceria energética
estratégica".
Tradução: não dá
para depender excessivamente do Oriente Médio, cada vez
mais volátil. Logo, viva o Brasil.
Esse enfoque puramente
"business" desmancha a romântica
visão de uma especialista em América Latina como
Julia Sweig, do Council on Foreign Relations, em teleconferência na terça-feira.
Julia citara
a escolha da Cinelândia, "famosa
praça central" do Rio de Janeiro, a visita à "City of God" (a favela
"Cidade de Deus") e a presença
de Obama em performances de capoeira
e tambores como um esforço para construir
"uma grande ponte cultural" com o Brasil
da rua, não apenas o Brasil das autoridades e empresários.
A troca da praça por um recinto fechado, o Theatro Municipal, só hoje anunciada,
enfraquece a "ponte"
e reforça o lado mercantilista.
Já Shannon O'Neill, também especialista em América Latina do Council on
Foreign Relations, esperava --ou
ainda espera-- que a visita servisse
para que "Obama colocasse a América Latina em suas avaliações
sobre os desafios globais". Seria, acrescentava, "uma mudança, embora sutil, que poderia
representar um real transformação
nas relações EUA/América Latina".
Uma
mudança pelo menos já houve,
mas no sentido inverso, ou seja,
no sentimento latino-americano
em relação aos Estados Unidos,
pelo menos aos Estados Unidos
de Obama. Pesquisa
recente do Centro Pew de Pesquisas,
mostra que 75% dos latino-americanos têm hoje uma visão
positiva dos Estados Unidos.
Acrescenta Peter Hakim, presidente honorário do Interamerican
Dialogue, uma das principais pontes entre Estados Unidos e América Latina: "As relações
dos Estados Unidos com a América Latina não estão em
crise. Os EUA
gozam, em muitos âmbitos, de uma situação mais
favorável e prometedora do que faz quatro
ou cinco anos. A campanha
anti-americana desenvolvida
pela Venezuela de Hugo Chávez e seus
aliados bolivarianos se debilitou".
Seria, pois, o momento ideal para um mensagem que realçasse
o papel político do Brasil, não apenas
como "mercado".
No mínimo,
Obama poderia repetir o que disse na sua primeira
aproximação à América
Latina, durante a Cúpula das Américas de 2009 em Trinidad Tobago. Lá, deixou claro que estava encerrado
o tempo de um "parceiro sênior"
(obviamente os EUA), cercado de "parceiros juniores".
Agora, são todos "parceiros iguais".
Na conjuntura
atual, em que a crise no Oriente Médio e a tragédia japonesa monopolizam as atenções, seria mesmo difícil
dar um passo além do que foi
dado em Trinidad Tobago. Resta,
como diz Dan Restrepo, assessor
especial do presidente, deixar
claro com a viagem que "o presidente Obama está engajado em
ajudar a enfrentar os desafios básicos
nas Américas de hoje e está desejoso,
pronto e em condições de se
engajar construtivamente
com os líderes da região que estão
posicionados de maneira
similar em focar os desafios de hoje e não argumentos
ideológicos fora de moda".
É um retórica
muito mais difusa do que o desejo do presidente de ver o "made in America" aparecer
carimbado nas compras do Brasil e da América Latina.