'In God we trust'

 

A importância que o fenómeno religioso tem na vida dos americanos não deixa de causar estranheza em muitos europeus.

 

Nuno Sampaio

 

Em ano de eleições presidenciais e com a delicada questão dos escândalos de pedofilia, e bem, na sua agenda, a visita do Papa Bento XVI aos Estados Unidos da América do Norte, teve, como não poderia deixar de ser, grande repercussão mediática. Curiosamente, aos olhos de uma Europa cada vez mais secular, a importância que o fenómeno religioso tem na vida dos americanos não deixa de causar estranheza em muitos europeus.

 

Embora uma forte presença da religiosidade seja uma característica distintiva da sociedade americana, a separação entre Estado e Igreja foi, desde a fundação dos Estados Unidos da América, um dos pilares quer do progresso das instituições democráticas quer da afirmação das crenças religiosas. Foi esta separação que permitiu a plena expressão de uma e de outra, e que, embora possa parecer paradoxal, catalisou ambas. Como tal, continua a ser motivo de curiosidade a inscrição que se pode ler nesse símbolo do bem-estar material tão querido aos americanos que são as notas de dólar: 'In God we trust.'

 

No século XIX, Alexis de Tocqueville compreendeu e descreveu como poucos a dimensão religiosa da América: " Quando se chega ao sétimo dia da semana, a vida comercial e industrial dos Estados Unidos parece ficar suspensa; todos os ruídos cessam. Sobrevém uma acalmia profunda, ou melhor, uma espécie de recolhimento solene; a alma toma então posse de si mesma, e contempla-se", escreveu em "Da Democracia na América". Para Tocqueville, a religião funciona, da mesma forma do que para as instituições, como um factor de equilíbrio do indivíduo democrático e da sua inquietude pela busca do bem-estar material, lendo-se um pouco mais à frente: "Na prática, os Americanos demonstram sentir a tremenda necessidade de moralizar a democracia pela religião." Assim, este binómio, bem-estar material /espiritualidade, concretiza-se, simbolicamente, com todas as suas tensões e afinidades no papel-moeda americano.

 

Mas a história não acaba aqui. Nas últimas eleições presidenciais, disputadas entre George W. Bush e John Kerry, diversos estudos de comportamento eleitoral demonstraram que o principal factor de clivagem entre os eleitores americanos foi a religião. A complexa situação financeira que a crise do 'sub-prime' desnudou fez com que os temas económicos ganhassem uma importância suplementar no debate político. Mas o factor religioso não deixará de influenciar fortemente o comportamento eleitoral. Por mais que o dólar desça, nas suas notas irá continuar a ler-se: 'In God we trust'.

 

Nuno Sampaio, Gestor e investigador de Ciência Política