I have a crush on Obama

 

John Kerry ficou pelo caminho, no mesmo dia em que Obama deu o salto e foi escolhido para representar o Illinois no Senado em Washington.

Ricardo Costa

Pedi o título emprestado a um vídeo pateta que uma de Barack Obama põs na ‘net’ e que bateu todos os recordes, de patetice e de ‘page-views’, coisas que muitas vezes andam lado a lado. Mas a verdade é que o meu ‘crush’ por Obama vem de Outubro de 2004, quando tive a sorte de assistir na sede da sua candidatura, em Chicago, à sua eleição como senador pelo Illinois. Conhecia-o mal, se é que assistir a meia-dúzia de ‘sound-bytes’ no arranque da Convenção Democrática desse ano é conhecer alguém...

Em 2004, os pequenos vídeos com o discurso de Barack Obama impressionavam quem se interessasse pela retórica, pelo poder de um discurso, pela convicção, pela força de um sorriso e por tudoaquiloparecer genuíno. John Kerry tinha ficado embaraçado pela nova estrela e recrutou-o para fazer campanha nos Estados mais difíceis, coisa que pouco ajudou. Kerry ficou pelo caminho, no mesmo dia em que Obama deu o salto e foi escolhido para representar o
Illinois no Senado em Washington.

Foi nesse dia que o vi ao vivo. A comunicação social
americana estava toda e se notava a presença de alguns jornalistas estrangeiros, todos em busca da ‘next big thing’ da política americana. E não foram a Chicago em vão. Nessa noite,  o discurso de Obama foi brilhante, poderoso e, uma vez mais, “genuíno”. tive a sorte de assistir a muitos comícios, por e no estrangeiro, e ouvi muitos discursos brilhantes, arrepiantes ou arrebatadores. Mas Obama é, de longe, o melhor que alguma vez pude ver. Confesso que não bati palmas porque consegui manter as mãos nos bolsos e, não menos importante, porque estava a trabalhar e a compostura deve manter-se mesmo quando estamos a milhares de quilómetros da nossa terra...

Desde então que tenho a esperança de o ver na Casa Branca. Não tenho nada contra Hillary, provavelmente melhor preparada e seguramente a mulher que mais possibilidades terá durante uma mão cheia de anos de chegar à presidência dos EUA. Para mim, Hillary tem dois problemas: vai perpetuar o binómio familiar Bush-Clinton, que se arrasta pela Casa Branca 20 anos (!) e vai impedir Obama de ser o primeiro presidente negro da história da América. Quanto ao resto, seria com alta probabilidade uma excelente presidente e um exemplo fundamental para a presença das mulheres na política. A eleição de Hillary faria mais por isso que qualquer lei de quotas. Mas uma eleição de Obama abanaria a América e o mundo de uma forma mais profunda.

O primeiro grande mérito de Obama foi conseguir descolar com eficácia da ideia de “primeiro presidente negro”. É óbvio que, se for eleito, isso é um facto. Mas uma facto não tem que ser um lema nem um mote (muito menos o fim) de uma campanha política. A simplicidade das ideias (mesmo quando lhe faltam) e a naturalidade dos seus actos ou discursos baralham quem se move num mundo de política mais plástica, mais moldável à espuma dos dias. É claro que tudo isso é possível pelo facto de Obama ser “um animal televisivo”, que passa pelo ‘show’ de Jay Leno com a mesma facilidade de quem toma um café e que arrasta atrás de si tudo o que é actor, estrela ‘rock’ ou ‘anchor’ de televisão americana, a começar pela mulher mais poderosa da América (mais que Hillary, claro): Oprah, conterrânea do Illinois e de Chicago e que não olhará a meios em todo o processo eleitoral.

Com tudo isto, estamos a poucos dias das primárias no
Iowa e no New Hampshire e, surpresa para muitos, Obama está à frente. É uma surpresa para quem olha para as sondagens nacionais e não cruza esses dados com o complexo sistema político americano. duas semanas, o Pedro Magalhães chamou a atenção, num artigo no “Público”, para a importância das duas primeiras votações e para o que podia acontecer a Obama e a Hillary. De então para , o cenário está cada vez mais claro: Hillary pode ter um enorme susto nas duas primárias do início de Janeiro e Obama um enorme empurrão.

Depois desse momento o jogo ficará sujo: a campanha republicana vai passar a ter Obama
como alvo e Hillary vai ter que aproveitar a onda. Será o terrível período de “mortos e feridos” a que ninguém escapa incólume. Esse é o grande teste de Barack Obama: se vencer no Iowa e no New Hampshire, se aguentar a guerra suja sem mudar o rumo e resistir a ser mais um dos ‘flip-floppers’ da política americana, aposto no título “Mr. Obama goes to Washington”.
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Ricardo Costa, Director da SIC Notícias